sábado, 19 de setembro de 2020

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Outros microcontos do Moisés

Herói

 

A coragem foi inevitável. Estava exausto de tanto sentir medo.

 

 

 

Dom

 

Se as pessoas conhecessem a minha capacidade de descansar, me admirariam ainda mais.

 

 

 

Paranoia

 

“É como se a guerra estivesse me seguindo”, disse o refugiado sírio que perdeu as filhas e a esposa na explosão do porto de Beirute.

 

 

 

Medo

 

Temo cada dia mais esse povo que quer salvar a humanidade.

 

 

 

Congonhas

 

Quinze minutos de céu e horizontes de prédios na volta ao conforto da indigência paulistana.

 

 

 

Alta costura

 

– Esses pacotes de dinheiro são indecentes.

– Veja como fica no bolso, Vossa Excelência.



                                 Moisés Lobo Furtado

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Diário da demenciação

 A consciência plena da perda contínua e inexorável das capacidades intelectuais é, em si mesma, um tormento a ser superado; mas como?           No princípio ainda há recursos mentais que permitem que se possa pensar sobre o processo já em andamento. A perda da memória para os fatos mais recentes se destaca, e começa a afetar os gestos banais do cotidiano. O sujeito sente sede, vai até a cozinha em busca da água, vê o vidro de biscoitos, não resiste, come um biscoito, volta para o quarto de tevê, e logo em seguida percebe que a sede persiste. 

A mulher reclama de qualquer coisa inadequada que ele fez, nada de grande importância, porém ele se aborrece. Como está de saída para o trabalho, ela diz Já estou indo, até logo, e ele retruca em voz alta, como se estivesse pensando e portanto ninguém mais ouvindo, Já vai tarde. Ela ouve, compreensiva, releva. Ele pensa sobre a própria atitude com autocrítica, acha-a engraçada, infantil, uma espécie de retorno à infância.

À medida em que a perda se acentua, naturalmente fica mais difícil a autocrítica. O que há pela frente? O medo, suponho, deve ser sentimento preponderante, e não se sabe bem até mesmo a razão do medo. Medo de quê?  Simplesmente medo, talvez porque o sentido das coisas está se esfarelando, nada mais faz sentido, e a vida passa a se manifestar através de fragmentos. É o homem em frangalhos.

Começa a ficar difícil manter juntos os fragmentos, unidos em torno de um Eu. Os fragmentos vão se perdendo pelo caminho entre o quarto de tevê e a cozinha: nem água nem biscoito. Melhor não olhar no espelho para não ter de perguntar, Quem é esse aí? qual sua história de vida? onde nasceu? como se chama? teve pai? teve mãe? mas todo mundo não teve pai e mãe algum dia? São perguntas que atordoam, atormentam, cansativas, exaustivas, para as quais não há resposta. Com a dispersão dos fragmentos se acentua o não reconhecimento do próprio Eu.

A Música que ele tanto amava transforma-se em barulho que atordoa. Ele tapa as orelhas com as mãos e o barulho persiste persegue importuna. Estará alucinando?

Ler um livro, nem pensar. Muito difícil juntar B com A em beabá. A infância novamente. Que sentido têm as palavras? Sem tido. Sem... nada.

As imagens de um quadro há muito apreciado agora se embaralham, Onde vai dar essa estrada? árvores? um cavalo? que confusão? Ele prefere não olhar. Ou que a tela esteja em branco. Talvez por isso ele passe horas diante da tela em branco do computador. 

Já é impossível pensar. 

Mesa carro vela acesa fumaça feijão, O cão que lambe a minha mão, esse cão me reconhece, que cão é esse? por acaso ele tem dono?

Mais uma vela que se apaga: ela se diz minha filha, Mas algum dia tive filha?

O pior está por vir. Enfiaram-me um tubo pelo nariz e, dizem, me alimentam por ele. Como? Não como, não sinto gosto de nada. Ainda me lembro, gostava tanto de empadinha de frango! Agora enfiam-me a empadinha pelo tubo e não sinto gosto de nada. A vida perdeu o gosto.

Para quê viver? Arranco o tubo, não quero essa empadinha insípida, desejo morrer, apenas, simplesmente, definitivamente. Mas isso não pode ser aceito por quem cuida de mim.

Perdi minha autonomia, vivo sob cuidados de gente que decide por mim, que devo comer empadinha de frango sem gosto e pronto, porque é preciso continuar vivendo.

 

 

3 de fevereiro

 

Ainda, às vezes, busco algum sentido. Sem tido? Sem.

 

 

15 de junho

 

Quem?

 

 

12 de dezembro

 

________________________________________

 

Casa velha



Depois de abandonar no meio do caminho dois livros enfadonhos de autor conceituado porque entrado nos anos não posso me dar ao luxo de ler livros enfadonhos e preciso viver com alegria para saborear a alegria de viver, agora adentro a Casa Velha do velho Machado, conto extraordinário interessantíssimo provocador surpreendente porque trata de gente, do amor, de costumes antigos que nos ajudam a compreender costumes de hoje, Machado mais vivo do que nunca, na boca de um velho cônego da Capela Imperial.

         Eis a descrição da casa:

 

“A casa cujo lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente: datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas havia, do lado oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que iam ali ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados.”

 

         (Comparo-a com minha casa: minha casa não é vasta nem sólida, carcomida por um tipo maligno de cupim, mas é igualmente nua de adornos, sempre foi, e ao ser construída já trazia defeito que precisei carregar por toda vida, nada que incomode na velhice, mas que na infância era motivo de bullying constante – zarolho caolho vesgo...)

         As coisas que se sucederam na Casa Velha espelham antes de tudo o vasto preconceito racial reinante na época, hoje denominado estrutural. (Interessante como de repente surge uma palavra para descrever fenômeno antigo.) O próprio cônego narrador tinha o “seu preto”. Porém Machado descreve principalmente o preconceito social, razão da grande mentira da matriarca dona da Casa.

         A história é boa, mas bom mesmo é o estilo machadiano. Os personagens são descritos com precisão e arte; vejamos como o autor define a matriarca:

 

“A casa fora construída pelo avô, em 1780, voltando da Europa, donde trouxe ideias de solar e costumes fidalgos; foi ele, e parece que também a filha, mãe de d. Antônia, quem deu a esta a pontazinha de orgulho, que se lhe podia notar, e quebrava a unidade da índole desta senhora, essencialmente chã.”

 

         Essencialmente chã: isso é que é arrasar com classe o caráter de alguém! Trazer ideias de solar e costumes fidalgos também constituem construções elegantíssimas, finas e originais.  

         Ninguém escreve como Machado de Assis, o Mago do Cosme Velho. Conto longo ou pequeno romance, que importa! Casa Velha é um grande livro.

         

domingo, 13 de setembro de 2020

Armadilha

A crônica de Sérgio Augusto para O Estado de S.Paulo (12 set 2020),  “Ditos, não ditos e mal ditos”, informa que:

 

“Circulou dia desses nas redes sociais uma profecia de Leonel Brizola, para mim até então desconhecida: “Se os evangélicos entrarem na política, o Brasil irá para o fundo do poço, o país retrocederá vergonhosamente e matarão em nome de Deus”. 

 

E Sérgio Augusto prossegue:

 

“Imagine ler tão apocalíptico vaticínio em meio ao turbilhão de denúncias de corrupção e outras calhordices envolvendo pastores, pastoras, bispos, o prefeito do Rio e políticos da chamada “bancada da Bíblia”, como o que nos engolfou na semana passada. Semana que, aliás, culminou com a obscena e eleitoreira anistia às dívidas de 1 bilhão de reais das igrejas aqui estabelecidas. Nosso Estado é laico, mas o Fisco não.”

 

            Será preciso dizer mais? Até Brizola já sabia!

            Acontece que a bancada evangélica no Congresso Nacional é poderosíssima, e cresce a cada eleição. Bancada eleita pelo povo! (O presidente da república quer um juiz “terrivelmente evangélico” no Supremo Tribunal Federal.)

            Pergunto: Tostines é gostoso por que vende mais ou vende mais...?

            O poder da bancada evangélica é oriundo do povo, mas a opinião do povo vem dos espertos pastores, influenciadores impiedosos, convincentes pela exuberância da palavra calculista, maquiavélica, maliciosa, porque explora a ignorância alheia. Enfim, corruptos.

            Para obter êxito nessa empreitada é preciso manter o povo na ignorância, deixar de investir na Educação e perdoar dívidas fiscais das igrejas.

Está pronta a armadilha! E o Brasil no fundo do poço.


https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ditos-nao-ditos-e-mal-ditos,70003434169

 

 

 

Zumbis existenciais e o fundamentalismo


Assim tem início a crônica de hoje de Hélio Schwartsman, “Zumbis existenciais”, para a Folha de S. Paulo:

 

“Para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.”

 

Schwartsman replica:

 

“Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que li na pandemia, o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.”

 

Se nosso invisível ministro se preocupasse mais com a Educação, oferecendo aos jovens a oportunidade de aprender a pensar – o verdadeiro sentido da palavra EDUCAR –, talvez o dilema “crer ou não crer” pudesse ser analisado por cada um de nós com liberdade, ao longo de nossa existência, independentemente da conclusão a que chegássemos, se é que chegaríamos a alguma conclusão.

Ao contrário, o ministro sabe apenas pregar a verdade baseada na crença pessoal dele. O fundamentalismo não educa, apenas induz ao não-pensar.

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/09/zumbis-existenciais.shtml

 

https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/09/sem-fe-jovens-do-brasil-sao-zumbis-existenciais-diz-ministro-da-educacao.shtml

 

sábado, 12 de setembro de 2020

Aldravia N.93


estará
pensando?
o
olhar
tão
expressivo!



Foto: AVianna, mai 2020

Ainda estou pensando...

 

Jessie Buckley ouve explicações de Charlie Kaufman

no set de 'Estou Pensando em Acabar com Tudo'.

MARY CYBULSKI/NETFLIX

 

 

Charlie Kaufman  ganhou o Oscar de melhor roteiro original com o filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, e recebeu duas outras indicações ao mesmo Oscar como roteirista com Quero ser John Malkovitch (2000) e Adaptação (2003). Fora isso, que não é pouco, nada que chamasse a atenção do público. Agora, como diretor e roteirista, surge Estou Pensando em Acabar com Tudo, pela Netflix, obra capaz de emocionar alguns e causar profunda irritação em outros.

            Pertenço ao primeiro grupo, penso que o filme é extraordinário mesmo. Por que então irrita a tantos? (Minha mulher deixou a sala de tevê no meio do filme.) A reportagem de Rocío Ayuso, de Los Angeles para El País (11 set 2020), traz o relato de um fato bastante sugestivo, que nos incentiva a perseverar e assistir até o fim:

“Buckley, que interpreta a protagonista, substituiu a atriz Brie Larson poucos dias antes do início das filmagens e, quando recebeu o roteiro, ele veio com um bilhete de Kaufman que dizia: “Não se preocupe. Eu sei exatamente do que se trata”. Kaufman volta a rir com a história. "Às vezes vou longe demais na minha cabeça. Suponho que isso se deva a essa personalidade obsessiva compulsiva que tenho e às minhas ansiedades. Mas gosto de perseverar, de cavar mais fundo, porque é aí que encontro a verdade. " (O grifo é meu.)

 

            Se o expectador acreditar que em algum momento tudo aquilo fará sentido, então ele chega ao fim do filme e há de se surpreender com ele. Acredite no diretor: “Eu sei exatamente do que se trata.” (Terminada a sessão, vale a pena ler alguma crítica, de quem se debruçou sobre a obra, buscou informações que podem nos auxiliar na compreensão da rica mensagem de Kaufman. A Internet está repleta delas.)

            Acrescenta Kaufman:

 

“É disso que mais gosto na física quântica”. ...“É o que me faz sentir emocionalmente equilibrado ao me fazer ver a enormidade do mundo, que é muito mais complicado do que posso entender. Nem tudo é sobre mim, e isso, curiosamente, me tira da minha zona de conforto.”

 

            Charlie Kaufman é um homem corajoso. Foi capaz de retratar a Realidade Psíquica do “protagonista” com maestria.

 

https://brasil.elpais.com/cultura/2020-09-11/charlie-kaufman-a-fisica-quantica-me-faz-sentir-emocionalmente-equilibrado.html

 

Inutilidade


Gostava tanto das palavras que inventou “avencário”. Depois de alguns anos, desapontado, constatou que ninguém a empregava.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Duas irmãs


Josefa e Ofélia nasceram com apenas um ano de diferença, de modo que eram tratadas como gêmeas, tamanha a semelhança física entre elas, parecença que acentuava com o passar dos anos, elas entradas nos quarenta. A despeito dessa característica, eram inconfundíveis perante a sociedade de C., cidade pequena onde nasceram e sempre viveram, por razões que passo a expor. 

A família era de pequenos proprietários de terra, todos envolvidos com pecuária, remediados apesar das oscilações constantes do preço do leite. A produção de queijo era bem mais rendosa, porém a trabalheira era sem conta, trabalho duro interminável sem domingo nem feriado nem dia santo para manter a fabriqueta funcionando, a qualidade dos produtos a ganhar fama na região, queijos de tipos variados exportados até para São Paulo, onde eram vendidos por uma fortuna em lojas especializadas.

Foi daí que surgiu a primeira rusga entre as irmãs.  A pequena Fábrica de Queijos Santa Madalena ganhou nome e cobiça de Ofélia. Sem  conhecimento da irmã, ela foi ao cartório e registrou a empresa em seu único nome, assinou a carteira de trabalho de Josefa, agora uma simples empregada, paga com salário mínimo. Estava fechado o negócio.

A população de C. não chegou a se escandalizar, havia precedentes. Há poucos anos o marido de Ofélia havia morrido do coração, Chagas, morte súbita. Ofélia não verteu lágrima; contratou advogado seu amigo de infância e abocanhou a herança deixada por Dionísio, uma casinha, pequena roça de milho, uma dúzia de cabeças de gado, a criação de porcos, deixando os três filhos do primeiro casamento do falecido na miséria.

A irmã Josefa estaria melhor em um convento; aceitava de bom grado as atitudes da irmã mais velha, concordava calada cabisbaixa como quem comungasse com as ideias de Ofélia; no fundo, bem no fundo, percebia o egoísmo doentio da irmã e entristecia com isso. Josefa era de paz, queria apenas cuidar de seu avencário.

Correu mundo a fama de Ofélia, de pessoa má, perversa, nefasta, malévola, virosa, molestosa, deletéria, maligna, funesta, venenosa e envenenada, sinistra, e para alguns, amaldiçoada mesmo – tinha parte com o coisa-ruim, o capiroto. Quem se metesse a negociar com ela sairia perdendo, isso era batata.

Daí que houve um certo alvoroço quando correu a notícia que Ofélia iria se casar novamente. O homem era bem mais velho que ela, possuía bens, de modo que a população de C. ficou de orelha em pé, o leitor há de me desculpar a expressão batida, mas que descreve bem a expectativa de todos que conheciam a megera. Aí tem coisa, se comentava pela cidade; a suposição era evidente: o homem não demoraria a morrer, seu único filho sofrera morte súbita ainda jovem, Chagas, vaticinaram os médicos; ele vivia com duas irmãs mais novas, bem simplórias e fáceis de enganar; era mais uma herança a ser embolsada por Ofélia. 

O homem não morreu: dois meses após o matrimônio sofreu um derrame, ficou paralisado de um lado, completamente mudo, desorientado, um imprestável largado numa enxerga, no dizer do Ofélia. Ela não se deu ao trabalho de levá-lo ao hospital. O paciente recebeu a visita do Dr. Faustino, o médico mais antigo da cidade, que com frequência nem cobrava pela consulta e que colocou a mulher a par do triste prognóstico, Ele pode viver muitos anos nessa condição, Dona Ofélia. 

Ofélia não pensou duas vezes: devolveu o marido para a família. As irmãs que cuidassem do traste.

Dessa vez Josefa não se aguentou calada. Procurou pela irmã, chamou-lhe à razão, aquilo era demais, Um pouco de piedade pelo amor de Deus, Não tenho tempo para piedade, preciso cuidar da nossa indústria de queijos, Mas Ofélia..., Nem mais nem menos!, o monstro despachou a irmã, Mas que bobinha!, ainda exclamou.

Passados seis meses, as irmãs que cuidavam do ex-marido de Ofélia precisaram se ausentar da cidade por um dia, em visita a uma amiga doente, e não encontraram quem pudesse cuidar do enfermo. O remédio era apelar para a ex-mulher, quem sabe ela poderia ajudar, quem sabe um sopro de arrependimento e misericórdia.

Expuseram com cuidado o problema a Ofélia, não podiam deixar de visitar a amiga portadora de um cancro à beira da morte, seria apenas por um dia, será que poderiam contar com ela? A resposta veio curta e grossa:

– Ajudo, mas cobro a diária.

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Três fotos de meu pai

Galeria de Família

 

 

Poucas e precárias são as informações que disponho sobre a vida de meu pai em seu tempo de solteiro. Pouca coisa ouvi dele mesmo; de minha avó Cici, apenas uma curiosidade; os ditos de minha mãe nem sempre foram confiáveis, influenciados por forte emoção.

            Ouvi de meu pai que ele fez o Tiro de Guerra, uma espécie de serviço militar, chegando à posição de Instrutor, ainda em Guaratinguetá. Criou a primeira banda com presença de mulheres no Ginásio dirigido pelo pai dele, nosso avô Breno Vianna. Acho que mais nada!

            Minha avó Lucila, chamada de Cici, foi indiscreta uma única vez na vida: me contou que em dias de tempestade, raios e trovões, meu pai, aterrorizado, se escondia debaixo de cama.

            Minha mãe contava que ele se formara em escola técnica de Contabilidade. Já na cidade de São Paulo, para onde se mudara após completar 18 anos? Não sei. Passou em concurso para o Banco do Brasil e morou alguns anos em São Paulo. (Ah!, meu pai se gabava de ter tirado o primeiro lugar em datilografia, com velocidade espantosa no teclado.) Transferiu-se para Ribeirão Preto, mas não sei em que época. Quando voltou para Guaratinguetá? Quando conheceu minha mãe? 






            As três fotografias que agora apresento despertam em mim imensa curiosidade. Certamente foram tiradas em São Paulo, onde ele desfrutava de intensa amizade com rapaz de nome Luís. Penso que ambos moravam na pensão de Dona Cinhaninha (que cheguei a conhecer quando lá estive para me operar do estrabismo, aos 10 anos de idade, mas esta é outra história). Luís era espírita e parece que influenciou fortemente o amigo.

            Ofir, este o nome de meu pai, gostava de carros.  Aparece aqui junto a um automóvel preto, ao lado da porta do motorista, só, muito sério, paletó e gravata, mãos nos bolsos; timidez? Na segunda foto está em companhia de Luís, também ao lado da porta do motorista, ainda de terno e gravata, bastante descontraído, ao sorrir com cigarro na boca. (Nunca soube que ele fumara algum dia.) Agora o carro é bem pequeno, talvez um Sinca V8, o primeiro carro que ele teve, mas já morando em Guará. 

            A partir dessas três fotografias posso perceber o quanto nunca soube sobre a infância, juventude, até a idade de adulto jovem, da vida de meu pai. Quem foi esse grande amigo chamado Luís? O que faziam na cidade grande? De quem eram esses automóveis?

            A discrição extrema de meus avós foi herdada por meu pai, sempre muito econômico sobre seus primeiros tempos de vida. Uma pena, hoje lamento. Não posso imaginar as peripécias de um jovem do interior chegando com poucos recursos na Capital mas gostaria muito de tê-las conhecido. Meu pai dizia que, no inverno, a água congelava nos canos. Isso ele me contou.

.

Paulo Sergio faz aniversário!

Galeria de Família 


Hoje é aniversário de Paulo Sergio Viana, um homem bom! Muitas lembranças, muita saudade.

Bom e bonito!


Corredor premiado!


Com Florinha


Com a querida netinha!


Galã de cinema!!!


Foto histórica: 3 irmãos!


Com o irmão mais velho


Na cozinha


Atleta: ginástica matinal em Brasília


Com a irmã mais nova, Maria Helena




Esta série termina com a foto do almoço especial de aniversário,
tirada no dia de hoje, em Lorena, SP.


Às vezes penso que minha vida não teria feito sentido não fosse a existência desse irmão, que é mais velho do que eu porque é um sábio.



Salve o Livro!

Charge do dia 



Salve o Livro


Obs.: não consegui identificar o autor.


sábado, 5 de setembro de 2020

Mais ipês

Há poucos dias publiquei Homenagem a Brasília, com uma série de ipês amarelos. 

 

http://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/08/homenagem-brasilia.html

 

Para fazer justiça a esta belíssima árvore, mostro agora dois exemplares igualmente lindos, o ipê do cerrado e o ipê branco. O primeiro, fotografado aqui perto de minha casa, pela Mercêdes. O branco está próximo à casa da Cecília, mas o autor me é desconhecido.








quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Pequena crônica esportiva

Não é segredo para os raros leitores que me acompanham nesse blog que sou louco por futebol, além de cachorros, ainda mais em tempos de pandemia, e vou logo dizendo que adorei o retorno dos jogos pela tevê, sou totalmente a favor, mesmo sem torcida, os jogadores testados continuamente, com todos os cuidados possíveis contra a peste. Mas a bola rolando.

Entre um programa e outro, mudo de canal e vejo que estão jogando dois times bem fraquinhos, não lhes aponto os nomes para não ofender possíveis torcedores. Com agravante: jogam pela Série B do Campeonato Brasileiro. Continuo assistindo mesmo assim. Zero a zero, muitos erros de passe, técnica pobríssima, os dois times recuados, com medo de atacar, aparentemente satisfeitos com o empate. Continuo assistindo mesmo assim.

            De repente, o meia armador do time da casa dá um belo passe de primeira para o ponta direita que dribla o lateral, avança até a linha de fundo e cruza forte à meia altura rente à trave. O centroavante se antecipa ao goleiro e com o peito empurra a pelota para dentro do gol. Gol! Golaço! GOLAÇO!

            Por isso continuo assistindo mesmo assim: pela imprevisibilidade, pela surpresa, pela jogada genial desferida por jogador desconhecido e que nunca mais fará algo igual, pelo belíssimo gol inesperado – momento de felicidade.

            Um a zero para o time da casa, faltando 20 minutos para acabar o jogo. Começa a cera. O goleiro demora para bater o tiro-de-meta, ninguém quer bater o lateral, inicia-se o cai-cai, todos reclamam do árbitro, não tem mais jogo. Pior, os gandulas (da casa) custam para repor a bola em jogo, até que um deles é expulso. 

Nesse ponto é que retorno à infância: meu pai, eu, e o irmão mais novo, sempre a meu lado, sentados em uma arquibancada, torcendo pela Esportiva de Guaratinguetá, jogo duro contra o Bragantino, timaço já naquela época, da chamada Segunda Divisão. Estamos ganhado de um a zero. Jorjão, crioulo de 2 metros de altura por 3 de largura, beque central de chute potentíssimo, isola a bola em direção à arquibancada, o torcedor que a pega não a devolve para o campo, esconde a bola debaixo do assento, a torcida grita de satisfação – a torcida urra de alegria! –, o juiz pede providências ao chefe de polícia que nada pode fazer, o jogo está parado. 

(Interrompo aqui esta vibrante narrativa porque uma explicação se faz necessária. Naquele tempo se jogava com uma única bola! Se era chutada para fora do campo, era preciso esperar pelo retorno da mesma, para o reinício do jogo. Excepcionalmente havia permissão para substituição da bola pelo juiz (não se usava a palavra árbitro), não me perguntem a razão de tal procedimento, não saberia responder.)

Voltemos à arquibancada da Esportiva. Durante o impasse, o jogo interrompido, eu, menino, observo de soslaio a reação de meu pai diante de algo visivelmente irregular, até mesmo para o julgamento de um menino – a bola sequestrada por um torcedor porque estamos ganhando de um a zero. Meu pai ri à solta! Ele tão severo, tão cumpridor, acima de tudo respeitador da lei e da ordem e da moral, apenas ri, alegre e divertidamente. Observo e compartilho com ele daquele momento de intimidade mágica. (Tempo da inocência, que não existe mais: hoje o gandula é expulso de campo.)

Enfim a bola é devolvida sob efusivos apupos e o jogo reinicia, faltando 20 minutos para o apito final. A catimba persiste até a vitória! 

Por essas e por outras é que hoje teimo em assistir até o joguinho ruim da Série B.

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Considerações sobre a palavra arroubo

A palavra arroubo me intriga. Os mais diferentes dicionários registram que se trata de manifestação repentina de entusiasmo; êxtase, enlevo, manifestação ou expressão súbita de intensa êxtase; arrebatamento; expressão ou demonstração de êxtase, de enlevo ou de encanto; num arroubo de felicidade; sensação de contentamento causada por uma grande admiração ou felicidade.

            A etimologia da palavra parece ser obscura. O grande Deonísio da Silva não faz referência a ela em De onde vêm as palavras (Ed. Novo século). Antônio Geral de Cunha, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Ed. Lexicon), registra o verbo arroubar, extasiar-se, enlevar-se, arrebatar-se; do castelhano arrobar, ligado a robar, roubar. 

Roubar o quê e de quem?

Já o bom Dicionário inFormal registra como Sinônimos de arroubo:  

 

arrebatamento anagogia encantamento enlevo entusiasmo 

excitação êxtase focagem furor ímpeto incandescência ira raiva 

rapto rompante transporte encanto amenidade atrativo beleza 

charme deleite deslumbramento fascinação graça imã magia 

mágica sedução suavidade tetéia ebriedade embevecimento 

embriaguez admiração espasmo condução translação trasladação delírio vôo suspensão

 

            Chamo a atenção do leitor para os sinônimos iraraivarompante. São eles que me interessam nessa pequena crônica. (Façamos o desconto necessário: sinônimos perfeitos não existem; cada palavra tem seu próprio e único significado.)

Sempre acreditei que a palavra arroubo carregasse uma boa porção de raiva e rompante, que surgem do inconsciente. Rompante implica reação. E reação muitas vezes como resposta inconsciente, automática, deflagrada por determinado estímulo sobre o qual não temos controle naquele momento em que ele é disparado. A tal resposta chamo de arroubo. 

            Passado o arroubo, podemos pensar sobre ele. Se arroubo significa tão somente manifestação repentina de entusiasmo, não há muito o que dizer sobre isso, é apenas enlevo, encanto. (O que não é pouco.)

            Quando é rompante, com raiva, furor e ímpeto, trata-se de algo oriundo do próprio sujeito, daquele que rompe, e não daquele que é atingido pelo arroubo. Entretanto, ambos podem tirar proveito do ocorrido, desde que possam pensar. O autor do rompante, se puder, fará então profunda autocrítica: por que reagir daquela forma? O alvo do arroubo poderá considerar tanto as razões do outro como sua própria maneira de ser, vítima de um rompante.

            O roubo, de que fala a etimologia, talvez se refira à capacidade de pensar: o ego é roubado da função fundamental que lhe cabe, a capacidade de pensar. Em vez de pensar surge o arroubo.

         Por que razão haverá de me intrigar a palavra arroubo?

 

Insônia

Sopro frio pela fresta da janela.

Noite de inverno.

Escorrem pálidos pensamentos na parede do quarto.

Um pássaro sombrio resmunga perto, gutural.

Para além, severo silêncio.

A boca, precária, cala.

Hálito morno isento de palavras.

Paralíticas mãos.

Gesto nenhum, por inútil.

Mínima alma impotente. 

Neste momento haverá um mendigo a morrer de frio

[em alguma esquina.

Como adormecer o desalento?


                                               Paulo Sergio Viana

 

 https://blogdopaulosergioviana.blogspot.com/2020/08/insonia.html?showComment=1598965655562#c2427171526392860518

 

 

Quer que embrulhe?

Charge do dia 



Angeli


Angeli, o maior chargista brasileiro, na opinião de André Dahmer.

Lição de composição



 

Lição de Composição

 

A fotografia acima, de autoria da nossa Paula Vianna, é uma lição de composição, muito útil a pintores e fotógrafos.

            Vejamos o que dizem Eduardo Lima e Rita Trevisan (NOVA ESCOLA) sobre a Lei dos terços:

 

“A regra dos terços é uma técnica de composição frequentemente utilizada por pintores e fotógrafos. Sobre a cena a ser retratada, o artista traça quatro linhas imaginárias (ou seja, divide o quadro em terços) e coloca o objeto principal em um dos pontos formados pelas intersecções. Isso geralmente garante um enquadramento mais harmonioso. ...A explicação para isso tem a ver com a Geometria. A regra dos terços não passa de uma derivação daquilo que se convencionou chamar de proporção áurea - uma razão de proporcionalidade muito comum na natureza, presente, por exemplo, nas conchas espirais de alguns moluscos. É por isso, segundo filósofos e matemáticos, que a gente tende a preferir composições que seguem ou se aproximam desse padrão: elas redundam em imagens naturalmente equilibradas. Vale lembrar, no entanto, que regras são sempre muito boas no trânsito ou em jogos de futebol. Na Arte, elas existem para ser quebradas.” 

 



     Parabéns, Paula Vianna!

 

https://novaescola.org.br/conteudo/1015/o-que-e-e-como-funciona-a-regra-dos-tercos