quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Casa velha



Depois de abandonar no meio do caminho dois livros enfadonhos de autor conceituado porque entrado nos anos não posso me dar ao luxo de ler livros enfadonhos e preciso viver com alegria para saborear a alegria de viver, agora adentro a Casa Velha do velho Machado, conto extraordinário interessantíssimo provocador surpreendente porque trata de gente, do amor, de costumes antigos que nos ajudam a compreender costumes de hoje, Machado mais vivo do que nunca, na boca de um velho cônego da Capela Imperial.

         Eis a descrição da casa:

 

“A casa cujo lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente: datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas havia, do lado oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que iam ali ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados.”

 

         (Comparo-a com minha casa: minha casa não é vasta nem sólida, carcomida por um tipo maligno de cupim, mas é igualmente nua de adornos, sempre foi, e ao ser construída já trazia defeito que precisei carregar por toda vida, nada que incomode na velhice, mas que na infância era motivo de bullying constante – zarolho caolho vesgo...)

         As coisas que se sucederam na Casa Velha espelham antes de tudo o vasto preconceito racial reinante na época, hoje denominado estrutural. (Interessante como de repente surge uma palavra para descrever fenômeno antigo.) O próprio cônego narrador tinha o “seu preto”. Porém Machado descreve principalmente o preconceito social, razão da grande mentira da matriarca dona da Casa.

         A história é boa, mas bom mesmo é o estilo machadiano. Os personagens são descritos com precisão e arte; vejamos como o autor define a matriarca:

 

“A casa fora construída pelo avô, em 1780, voltando da Europa, donde trouxe ideias de solar e costumes fidalgos; foi ele, e parece que também a filha, mãe de d. Antônia, quem deu a esta a pontazinha de orgulho, que se lhe podia notar, e quebrava a unidade da índole desta senhora, essencialmente chã.”

 

         Essencialmente chã: isso é que é arrasar com classe o caráter de alguém! Trazer ideias de solar e costumes fidalgos também constituem construções elegantíssimas, finas e originais.  

         Ninguém escreve como Machado de Assis, o Mago do Cosme Velho. Conto longo ou pequeno romance, que importa! Casa Velha é um grande livro.

         

Um comentário:

  1. Não esquecer a crítica sutil à Igreja, na figura do cônego narrador, que também se toma de amores pela jovem Lalau...

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