Depois de abandonar no meio do caminho dois livros enfadonhos de autor conceituado porque entrado nos anos não posso me dar ao luxo de ler livros enfadonhos e preciso viver com alegria para saborear a alegria de viver, agora adentro a Casa Velha do velho Machado, conto extraordinário interessantíssimo provocador surpreendente porque trata de gente, do amor, de costumes antigos que nos ajudam a compreender costumes de hoje, Machado mais vivo do que nunca, na boca de um velho cônego da Capela Imperial.
Eis a descrição da casa:
“A casa cujo lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente: datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas havia, do lado oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que iam ali ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados.”
(Comparo-a com minha casa: minha casa não é vasta nem sólida, carcomida por um tipo maligno de cupim, mas é igualmente nua de adornos, sempre foi, e ao ser construída já trazia defeito que precisei carregar por toda vida, nada que incomode na velhice, mas que na infância era motivo de bullying constante – zarolho caolho vesgo...)
As coisas que se sucederam na Casa Velha espelham antes de tudo o vasto preconceito racial reinante na época, hoje denominado estrutural. (Interessante como de repente surge uma palavra para descrever fenômeno antigo.) O próprio cônego narrador tinha o “seu preto”. Porém Machado descreve principalmente o preconceito social, razão da grande mentira da matriarca dona da Casa.
A história é boa, mas bom mesmo é o estilo machadiano. Os personagens são descritos com precisão e arte; vejamos como o autor define a matriarca:
“A casa fora construída pelo avô, em 1780, voltando da Europa, donde trouxe ideias de solar e costumes fidalgos; foi ele, e parece que também a filha, mãe de d. Antônia, quem deu a esta a pontazinha de orgulho, que se lhe podia notar, e quebrava a unidade da índole desta senhora, essencialmente chã.”
Essencialmente chã: isso é que é arrasar com classe o caráter de alguém! Trazer ideias de solar e costumes fidalgos também constituem construções elegantíssimas, finas e originais.
Ninguém escreve como Machado de Assis, o Mago do Cosme Velho. Conto longo ou pequeno romance, que importa! Casa Velha é um grande livro.
Não esquecer a crítica sutil à Igreja, na figura do cônego narrador, que também se toma de amores pela jovem Lalau...
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