quinta-feira, 4 de junho de 2020

Oficina do Tobias IX

Folhetim


Nono encontro


Para surpresa geral, é Suzete quem inicia o nono encontro da oficina com verdadeira aula sobre o haicai! 

“Duas exigências faziam parte da construção do haicai original, nascido no Japão: a natureza como tema e a ausência de rima. As variações quanto ao número de versos e sílabas foram constantes ao longo dos séculos – o waka, com versos de 5 e 7 sílabas, surgiu no século VII d.C., até que se chegou à clássica estrutura de 5 - 7 - 5 versos.
            Exemplo do haicai clássico do mestre Basho:

velho lago
mergulha a rã
fragor d’água

            Nos anos 40, no Brasil, Guilherme de Almeida introduziu engenhosa organização no haicai através da rima entre o primeiro e terceiro versos, além de uma rima interna no segundo verso, entre a segunda e sétima sílabas. O seguinte esquema torna mais fácil a compreensão desta estrutura:

_ _ _ _ x
_ y _ _ _ _ y
_ _ _ _ x
            
            Eis um belo haicai do poeta paulista (Campinas -1890, São Paulo - 1969):

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.

            A partir de 1980 o haicai ganha reputação de poesia séria, influenciada ainda pelos modernistas, com enorme contribuição de Paulo Leminski (Curitiba, 1944 - Curitiba, 1989). A forma já não importa tanto, perde-se a rigidez, a natureza não se constitui no único tema, a banalidade do cotidiano entra no haicai, embora os três versos estejam presentes na maioria deles. A rima, quando existente, em geral permanece entre o primeiro e terceiro versos. Haicai de Leminski:

verde a árvore caída
vira amarelo
a última vez na vida

            Forma e rima variam tremendamente nos haicais de Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 1902 - Rio, 1987):

E se Deus é canhoto
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.

            Poucos autores, nos dias de hoje, têm se dedicado com tanto afinco à difusão do  haicai quanto a curitibana Alice Ruiz (1946). Também ela não abandona completamente a rima:

nesse país em greve
só o relógio
faz o que deve

Termino por aqui. Obrigada.”

Nem é preciso dizer que Suzete é aplaudidíssima. Que aula! Que didática! A palavra franqueada, Ana Paula, direta, em tom agressivo, pergunta qual a importância de se discutir o Haicai na oficina, Desenvolver a sensibilidade, responde Tobias, curto e grosso, e encerra o assunto. (Também é aplaudido; parece que o grupo decide mesmo usar as palmas para manifestar com frequência suas preferências.)
Tina, moradora de bela chácara, arrisca seu haicai:

jabuticabeira
flores e abelhas
vida no jardim

            
            João, 23, estudante de Farmácia no Rio de Janeiro, que ainda não havia aparecido, mostra seu poema:

alheias à vida
borboletas no jardim
novocolorido

            Sucedem-se as apresentações, quase todos ávidos por mostrar seus poemas, desinibidos, alegres, fazem e recebem as críticas com entusiasmo. Tobias, também satisfeito, encerra o encontro anunciando o tema do dia seguinte: a Crônica.

Um comentário:

  1. Suzete erudita! Alguém poderia ter comentado que, em sua forma original, voltada às cenas simples da natureza, o haicai hoje pode ser considerado poesia ecológica.

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