Folhetim
Décimo encontro
Apresento minha pequena crônica, contando com a boa vontade de vocês e do Professor, naturalmente, afirma Josíres, revelando intenso nervosismo. Então lê:
“Deu no jornal ontem: turista italiano de 70 anos sofre parada cardíaca e desaba enquanto contempla O Nascimento de Vênus na Galeria degli Uffizi, em Florença! Aventou-se logo o diagnóstico de síndrome de Stendhal, uma espécie overdose de beleza, de intoxicação pela Arte.
Stendhal, em 1817, apresentou sintomas de profundo mal-estar, ao entrar na Basílica da Santa Cruz, em Florença, afetado por tamanho esplendor. “Tinha alcançado esse nível de emoção em que as emoções celestiais das artes e os sentimentos apaixonados se encontram. Senti palpitações no coração, caminhava temendo cair”, escreveu.
Notícia interessante, porque também eu experimentei fortíssima emoção ao ver pela primeira vez o David, de Michelangelo, na Academia de Belas Artes de Florença. Logo ao primeiro olhar, estupefato, os olhos encheram de lágrimas. Desajeitadamente procurei fotografar a escultura, não consegui manobrar a câmera que quase despencou de minhas mãos. O coração aos pulos, a me sair pela boca. Mais lágrimas, desisti de fotografar, a respiração acelerada. Até que aos poucos – não posso afirmar quanto tempo aquela agitação interior durou – fui me acalmando, sequei os olhos, respirei fundo, e agora, com tranquilidade, pude ver.
Penso que a Capela Sistina, no Vaticano, e o David, de Michelangelo sejam as duas maiores expressões artísticas já criadas pelo ser humano. Devo acrescentar a Nona Sinfonia de Beethoven? E as Suítes para Violoncelo de Bach?”
Agora não foram palmas, foi uma verdadeira ovação, com Hip! Urras! e tudo, mais um pouco Josíres teria sido carregado nos braços da plateia. Tobias também aplaude, e em seguida lê crônica que reputa exemplar, de autoria de um amigo dele, poeta e escritor, de nome Paulo S. Viana, intitulada Alento:
“Não falta violência, crueldade e grosseria no noticiário diário. Assim é o mundo, diz o conformado leitor.
No entanto, de tempos em tempos, surgem nas páginas dos jornais ilhas de alento. Tal foi a bela notícia sobre o resgate de Ramba, a elefanta. Por iniciativa de gente boa, e após burocráticos entendimentos entre os respectivos governos, viajou de avião por 3 horas, de Santiago do Chile a Viracopos, em Campinas, o bichão de 3,6 toneladas, dentro de uma caixa de 5 metros de altura, 3 de comprimento, 2 de largura e 5 toneladas de peso. Com toda a delicadeza, permitiram que Ramba, durante 40 dias, se acostumasse à estreiteza do transporte. Nem foi necessário sedá-la. Um veterinário a acompanhou e um caminhão a levou até o Santuário dos Elefantes Brasil, em Mato Grosso, escoltado pela Polícia Rodoviária. Todo o transporte custou 600.000 reais, obtidos por doações. Não é bonito?
Ramba, de 53 anos, é uma idosa com marcas de maus tratos, em circo: cicatrizes de correntes e doença renal. O que não a impede de ser mansa e afável. Agora poderá viver nos extensos campos que merece, na companhia de alguns outros da sua espécie, bem longe de humanos.
Um amigo amargurado comentou: há muita criança passando fome no mundo. É verdade.
Mas eu não consigo deixar de me emocionar com o resgate de Ramba.”
O grupo, admirado com a refinada escrita do autor, torna a aplaudir. Ana Paula, verdadeiro espírito de porco, muxoxa entredentes, Gostei mais da crônica do Josíres, o que provoca pela primeira vez na oficina ruidosa e interminável vaia, a exigir de Tobias reprimenda a todo o grupo, Aqui há liberdade de expressão, todos têm o direito de manifestar seus pontos de vista e os demais devem ouvir com respeito, ao que Moisés (não o amigo do Tobias, Rei do Microconto, mas um membro do grupo que ainda não havia se manifestado, estudante de Filosofia na USP) replica, Professor, vaia é também forma de expressão... A verdade é que ninguém aguenta mais a tal de Ana Paula.
Troquem seus textos entre si e me tragam amanhã com a devida crítica, por escrito, pede Tobias, satisfeito com o encontro.
Para amanhã o tema é a Carta. Escolham um colega do grupo para lhe escrever uma carta.
Senhores, tenham uma boa tarde.
(Josíres, encantado com o sucesso de seu texto, convida a todos para o almoço, Mas cada um paga o seu, tá!, meus amores! Ana Paula não foi.)
Crônica é gênero dos mais simpáticos, pois traz o quotidiano, o banal, vestido de sensibilidade. Mas convenhamos: a moça chata tem razão: a crônica do oficineiro está melhor...
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