terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Filósofo Gilles Lipovetsky



O pensador e escritor francês Gilles Lipovetsky,
na sede do Instituto Cervantes em Paris. LÉA CRESPI


O filósofo Gilles Lipovetsky dá entrevista a El País (3 fev 2020): “Nem tudo pode ser discutível. O professor tem de recuperar a autoridade”. (Reportagem de Borja Hermoso.) Seleciono apenas dois ou três temas, que considero mais importantes, mas vale a pena ler toda a entrevista.

“R. Antes, as pessoas não queriam comprar o mais recente modelo de tablet ou smartphone o tempo todo, nem queriam sair de férias para todos os lugares possíveis, ou tomar um avião todo fim de semana, ou morar em um apartamento maravilhoso, ou ir a um restaurante dia sim e dia não... Simplesmente não se vivia assim. Fui a um restaurante pela primeira vez quando tinha 25 anos. Agora, crianças com oito anos vão com frequência ao McDonald's. Então, por um lado, temos uma sociedade na qual as desigualdades crescem sem parar, mas, por outro, temos um volume de aspirações que também não param. É, mais do que o bem-estar, o sonho do bem-estar. As marcas de luxo! Antes nem se pensava nisso. Hoje, qualquer pessoa em um bairro popular pode usar uma Nike de 125 euros. E todos os jovens sabem o que é Louis Vuitton, Hermès, Gucci... Só vivem para as marcas! Não querem sapatos, querem uma marca de sapatos.”

“R. É necessária uma economia liberal, porque é a única via possível para a iniciativa e a eficiência. Mas, ao mesmo tempo, é preciso ajudar as pessoas porque, do contrário, caminhamos para uma situação explosiva. A melhor solução é o que já fazem em certos países escandinavos, o que chamam de "flexisegurança". Uma economia flexível, em que as pessoas possam ser demitidas se for necessário, mas na qual existam ao mesmo tempo programas de treinamento e reciclagem de habilidades, e não um simples sistema de assistência social. Quando alguém é demitido, recebe os meios para se reciclar. Assim, pelo menos, não terá a sensação de que a sociedade o abandonou. E, em segundo lugar, é preciso investir em educação, em inteligência e em criação.”

“R. A escola pública não é uma despesa, é um investimento para o futuro. É preciso pagar bem aos professores e ensinar o aluno a respeitá-los. Não sou eu quem diz isso, hein. Platão já dizia. Se acreditamos que computadores e tablets resolverão todos os problemas, estamos em um erro grave. O professor é imprescindível. E é preciso formar os jovens de modo que sejam mais adaptáveis, com menos medo de mudar. Assim, haverá menos frustração. E muito importante: é preciso dar muito mais importância à arte e à cultura. Caso contrário, só nos restará o shopping!”

"R. Uma sociedade cujos eixos exclusivos são as telas, o trabalho e a proteção social é uma sociedade deprimente. É preciso investir em educação. E as possibilidades de investimento em assuntos educacionais são infinitas. Um dos maiores fracassos nas sociedades ocidentais do pós-guerra foi a "democratização da cultura". Pensou-se que, ao abrir muitos museus por muitas horas e com grandes obras, graças ao dinheiro do Estado, muita gente nova se juntaria às visitas, mas não foi assim. Quando se presta atenção, ao longo do tempo as pessoas que vão aos museus são as mesmas de sempre: gente de um certo nível educacional. Os camponeses e os operários da construção em geral vão pouco. É uma questão de educação.”

“P. O senhor escreveu contra o fato de que os pais eduquem seus filhos com luvas de pelica. O que queria dizer exatamente?” [Pergunta]
"R. É um erro imenso. É indispensável que o professor recupere a autoridade. Há alunos que insultam o professor, e isso é inadmissível. Educar não é seduzir. Há obrigações. Em um dado momento, é preciso obrigar a fazer coisas. Nem tudo pode ser flexível, agradável, discutível. É preciso trabalhar duro, e forçar a trabalhar. O homem é Homo faber, é preciso ensinar a fazer. E é preciso recuperar a retórica, ensinar as crianças a se expressarem e a raciocinar, porque o computador não vai fazer isso por eles. O homem é Homo loquens, o ser que fala.”


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