O raríssimo leitor que me acompanha nesse blog há de ter percebido o quão pobre de ideias tenho andado ultimamente. Um verdadeiro deserto. Estéril assim fica difícil escrever, o que lamento mais por mim do que por meu leitor. Mas hoje descobri que não estou só!
“Nada simboliza melhor nossa submissão ao colonialismo cultural do que dizer “delivery” em vez de “entrega”, escreve Luis Fernando Verissimo para O Estado de S.Paulo hoje (6 ago 2020). E ainda arremata o assunto com um diálogo, por sinal bem pobrinho:
“– “Delivery”! A que ponto chegamos!
– Ridículo, né?
– Ridículo! Qualquer lojinha, qualquer boteco, oferece “delivery”. Por que não “entrega”?
– “Entrega a domicílio”... É bonito isso.
– O português é uma língua bonita.
– Quem precisa do inglês?”
Acho que também faltava assunto ao grande Verissimo.
Para minha surpresa, o também grande Sérgio Rodrigues publica sua crônica de hoje (Bateção de panela e de coração, Folha de São Paulo), “usando” as palavras: “Há quem pense que as palavras existem apenas nos dicionários, como peixes na água, e que do lado de fora só lhes resta a morte.” Prossegue Rodrigues: “...passou da hora de acolhermos em nossos dicionários um bicho brasileiro agreste de grande beleza e vigor: o substantivo feminino “bateção”. Os principais dicionários dos dois lados do Atlântico o esnobam. Se no caso português isso é compreensível, pois a palavra batimento lhes basta com folga para resolver a questão das batidas, aqui o quadro é diferente. Temos a bateção de lata (batucada), a bateção de cabeça (desarmonia, confusão), a bateção de panela (protesto), a bateção de estaca e marreta (construção) e até a bateção de pernas (passeio, andança).”
A este subterfúgio denominei “usar” as palavras, explorá-las (em qualquer sentido), tirar proveito delas (ainda em todos os sentidos), escravizá-las (em casos extremos); quando não há um bom tema disponível ao cronista, ele lança mão das palavras, infinitas e bem guardadas nos dicionários, e até em mais de uma língua.
Assim fica fácil! Por que não eu?
Três vezes seguidas no último mês enviei ao Dicionário Informal, pelo qual nutro respeito e admiração, a palavra avencário, e apresentei a respectiva definição: local onde se cultivam avencas. Expliquei que o avencário exige condições ambientais especiais, luz solar por poucas horas, sombra na maior parte do dia, rega parcimoniosa e constante; trata-se de plantas altamente sensíveis. É bom ter cuidado até mesmo com mau-olhado!
Para meu completo desapontamento, nada de resposta. Quero porque quero registrar a palavra, que acho linda, sonora, calma, tranquilizadora como um vaso de avencas. (E muito mais bonita que bateção...) Me sentiria orgulhoso de vê-la dicionarizada. Quem sabe um dia desses...
Há um consolo que não é pouca coisa: se meu leitor procurar no Google a palavra avencário, vai encontrar uma postagem que fiz no Loucoporcachorros em setembro de 2014, com uma fotografia de avencas e um haicai.
https://loucoporcachorros.blogspot.com/2014/09/avencario.html
Por ora, a palavra avencário me serviu para esta crônica. Por que não eu?
https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,delivery,70003388965
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/2020/08/batecao-de-panela-e-de-coracao.shtml
De onde nada parecia vir nasceu uma bela crônica. O "branco"também pode ser bem vindo.
ResponderExcluirObrigado meu amigo! É como tirar leite de pedra.
ExcluirNão sei se é tão vazio cuidar das palavras. O louco acaba de produzir uma bela crônica. E confesso: eu também nutro grande antipatia por "delivery".
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