Folhetim
Sétimo encontro
Alcides, médico nos seus 50 anos, residente em São Paulo, afirma: Escrevo para esquecer.
“Vida de médico nesta cidade me massacra. Então arranjo tempinho, tarde da noite, para escrever e entrar em outro mundo, quando experimento o fluxo de pensamento sem saber onde meu texto vai parar, especialmente quando reconheço minha própria dor, e só de reconhecê-la ajuda muito, me interessa pensar minha dor e perceber que não morro por isso, essa dor não me mata, e posso continuar pensando e se pudesse exprimir com arte o que penso poderia me tornar um escritor, aí reside o pulo do gato, escrever com arte, então meu lema anterior cai por terra (escrever para esquecer), melhor ESCREVER PARA CRESCER, para expandir minha capacidade de pensar, pensar criativamente, tudo muito bonito no papel, porém se o tolerante leitor puder reconhecer o tanto de ficção que existe no meu texto há de intuir a loucura que é a vida de médico numa cidade como esta, uma pessoa atormentada capaz de suicidar-se ou cometer um crime de sangue, um assassinato seguido de esquartejamento, os pedaços enfiados em duas malas grandes, quem sabe surge um conto policial onde o médico está acima de qualquer suspeita e o porteiro do edifício está enrascado, coitado, até que surge a bela detetive de longas pernas de nome Moema, olhos verdes, belos seios, começa a me fazer perguntas retas, ofereço respostas tortas, mulher desconfiada, esse batom vermelho na boca carnuda a me intimidar, até que ela descobre que tudo não passa de delírio meu, as malas estão vazias, convido-a para tomar um drinque que essa vida de médico na Capital eu não aguento mais, e ela aceita.”
Alcides traz o texto impresso, submete-o à apreciação do grupo. A discussão transcorre animada, alguns gostam, outros nem tanto, Vale como exercício, dizem muitos. Tobias feliz com o andamento da oficina. Ele não pretende que alguém se torne um escritor. Não é assim que se faz um escritor. Ele deseja que todos escrevam, Escrever faz bem à saúde, ele gosta de dizer.
Tobias confessa a si mesmo que não para de pensar nas palavras de Moema – Se escrever vou me revelar. Pensa consigo mesmo que Alcides, como talvez quase toda a turma, ainda pense nas palavras de Moema. Tanto que ela acaba entrando na escrita de Alcides, na figura de sedutora detetive. Dá o que pensar. Agora é ela quem vai decifrar o delírio de Alcides! Alcides se revela.
A história mexe com a cabeça do grupo. Instiga. Provoca. Excita. A discussão torna-se ainda mais animada. Gente que ainda não havia se manifestado, Clara, Solange, Tomás, agora todos falam ao mesmo tempo, entusiasmados com o reaparecimento da detetive Moema! Isso dá uma ótima história, afirma Fernando, jornalista responsável pela sessão de crimes – ou de sangue – em jornal sensacionalista.
Desejo destacar apenas um aspecto interessante: Alcides mudou de “lema” durante a própria escrita, passou de escrever para esquecer a escrever para crescer. Ele teve um insight ao escrever. Chamo isso de escrita terapêutica.
Ao meio-dia Tobias encerra os trabalhos, Para amanhã, tragam microcontos, com até 140 toques. Estudem o assunto.
Desejo destacar apenas um aspecto interessante: Alcides mudou de “lema” durante a própria escrita, passou de escrever para esquecer a escrever para crescer. Ele teve um insight ao escrever. Chamo isso de escrita terapêutica.
Ao meio-dia Tobias encerra os trabalhos, Para amanhã, tragam microcontos, com até 140 toques. Estudem o assunto.
Senhores, tenham uma boa tarde.
Muito bom! Altas reflexões trazidas pela escrita. Curioso que Tobias não pede leituras, apenas escritas. A não ser para que os oficineiros se inteirem dos assuntos propostos por ele.
ResponderExcluirEsse tal de Alcides escreve bem.
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