terça-feira, 10 de dezembro de 2019

História de um casamento




Impossível não associar o atual História de um casamento, de Noah Baumbach, ao filme de Ingmar Bergman, de 1974, Cenas de um Casamento. Ambos tratam do difícil comportamento humano a dois, ainda mais complicado pela presença de um terceiro sujeito, o filho, cuja guarda é disputada em tribunal, na história de Baumbach.
            Na postagem anterior deste blog, Mães “Virgem Maria”(http://loucoporcachorros.blogspot.com/2019/12/maes-virgem-maria.html), damos destaque ao monólogo da advogada da esposa e mãe, ao planejar o discurso no tribunal, no julgamento do divórcio. Agora falaremos do problema do pai. Diz a advogada (laura Dern, em interpretação digna de Oscar):

“O conceito de um bom pai só foi inventado há uns 30 anos. Antes era normal que os pais fossem calados, ausentes, pouco confiáveis e egoístas. É claro que queremos que eles não sejam assim, mas no fundo nós os aceitamos. Gostamos deles por suas imperfeições, mas as pessoas não toleram essas mesmas coisas nas mães. É inaceitável em nível estrutural e espiritual. Porque a base de nossa conversa judaico-cristã é Maria, a mãe de Jesus, que é perfeita.”

            Como pai de duas filhas, devo admitir que esta fala me tocou profundamente. Penso que não estamos a tratar propriamente de pais, e sim de homens. Os homens, na sua soberba de ser mais forte e dominante desde sempre, permitiram-se calados, ausentes, egoístas, eles em primeiro lugar, depois mulher e filhos. Não estou a falar nenhuma novidade.
            Em História de um casamento, o pai ausente apresenta mil justificativas para tal, direitos adquiridos pelo homem, que o tornam acima do bem e do mal. Ou simplesmente a manifestação do exuberante narcisismo.
            A seu favor, do pai, em meu modo de ver – e isso é discutível – ele ama a esposa e o filho, daí tanto sofrimento diante da separação. Parece que tanto amor não basta! Há certas atitudes que contam muito, e que devem ser consideradas cuidadosamente pelo pai real. Uma delas, talvez a principal, seja considerar a esposa e os respectivos desejos e direitos dela. (O que vale também para a esposa.)
            Para expressar tais ideias o filme é repleto de longos diálogos em ambientes fechados, a câmera quase parada – Bergman fala! – a beirar a monotonia, como se assistíssemos a uma peça de teatro. Ao final do filme há um diálogo que beira a morte, o casal movido pelo ódio irracional, cruel e desumano, onde Scarlett Johansson e Adam Driver  brilham intensamente, emprestando ao filme excepcional destaque.
O filme é tocante e doloroso, pelo menos o foi para mim. Um grande filme, cuja profundidade e detalhamento dificultam em muito a análise por parte deste crítico amador. Agora resta rever o mestre Bergman.


Um comentário:

  1. Os papeis das figuras da família, sejam pais, mães, irmãos, avós e tais são um capítulo à parte na simbologia da cultura. Assunto fascinante e interminável.

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