sábado, 10 de fevereiro de 2018

O Ventre, obra prima




            Depois do delicioso Quase memória – que li e reli – confesso que não esperava livro ainda melhor, do já saudoso Carlos Heitor Cony (1926- 2018).
Ao tomar conhecimento pela abundante crítica literária produzida após a morte do escritor de que O Ventre é o seu melhor romance fui correndo ao livro.
            E o livro é mesmo espetacular! Foi publicado pela primeira vez em 1958, escrito sob a influência do existencialismo francês – segundo o próprio Cony. O narrador é ao mesmo tempo protagonista e anti-herói, de uma amargura que chega a doer, a reproduzir a falta de sentido da vida que se repete eternamente.
            O estilo é magistral, verdadeiro “romance de formação”. Eis uma pequena amostra também do lirismo presente no romance:

“Fumei um cigarro na janela. A lua derramava uma luz indecente em cima do vale. O rio brilhava, bicho de escamas que, em alguns pontos, refletia o luar.
Pulei a janela. O calor era intenso, o chão devolvia o mormaço do dia.
Na margem do rio me deu vontade. Tirei a calça do pijama. Mergulhei num lugar que sabia fundo, nadei de um lado para o outro, sentindo-me bem. Explorei as grotas. Havia maiores do que a minha, talvez dessem mais peixe, não custaria explorá-las, mergulhava até onde podia, encontrava raízes de árvores, não, não dava traíras.
Depois das pedras o rio se abria num largo trecho sem obstáculos. A correnteza era então mais forte. Experimentei os músculos. Fui à outra margem e voltei, saindo quase no mesmo lugar. Boa forma física, os anos em cima dos caminhões, a rudeza da estrada, os imprevistos da solidão haviam temperado o corpo, eu estava bem de músculos, para minha idade estava ótimo.”

            Em resumo: leitura obrigatória!

            Em tempo: minha edição é de 1998, da Companhia das Letras, com capa de Victor Burton (exibida acima). (O livro permaneceu em silêncio durante muitos anos na estante de minha casa, até que resolvesse tomá-lo para a leitura. Não é preciso ler imediatamente todo livro que compramos. Eles podem esperar.)
            A mais recente edição saiu pela Nova Fronteira, em 2016, com a capa exibida abaixo. Deixo ao leitor a melhor escolha. Eu, prefiro a primeira, pela sutileza.






Um comentário:

  1. O louco e suas provocações literárias de dar água na boca. Como ler tudo?

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