Depois
do delicioso Quase memória – que li e
reli – confesso que não esperava livro ainda melhor, do já saudoso Carlos
Heitor Cony (1926- 2018).
Ao tomar conhecimento pela abundante crítica literária produzida após a
morte do escritor de que O Ventre é o
seu melhor romance fui correndo ao livro.
E o livro é mesmo
espetacular! Foi publicado pela primeira vez em 1958, escrito sob a influência
do existencialismo francês – segundo o próprio Cony. O narrador é ao mesmo
tempo protagonista e anti-herói, de uma amargura que chega a doer, a reproduzir
a falta de sentido da vida que se repete eternamente.
O estilo é magistral, verdadeiro
“romance de formação”. Eis uma pequena amostra também do lirismo presente no
romance:
“Fumei um cigarro
na janela. A lua derramava uma luz indecente em cima do vale. O rio brilhava,
bicho de escamas que, em alguns pontos, refletia o luar.
Pulei a
janela. O calor era intenso, o chão devolvia o mormaço do dia.
Na margem do rio
me deu vontade. Tirei a calça do pijama. Mergulhei num lugar que sabia fundo,
nadei de um lado para o outro, sentindo-me bem. Explorei as grotas. Havia
maiores do que a minha, talvez dessem mais peixe, não custaria explorá-las,
mergulhava até onde podia, encontrava raízes de árvores, não, não dava traíras.
Depois das
pedras o rio se abria num largo trecho sem obstáculos. A correnteza era então
mais forte. Experimentei os músculos. Fui à outra margem e voltei, saindo quase
no mesmo lugar. Boa forma física, os anos em cima dos caminhões, a rudeza da
estrada, os imprevistos da solidão haviam temperado o corpo, eu estava bem de
músculos, para minha idade estava ótimo.”
Em resumo: leitura
obrigatória!
Em tempo: minha edição é
de 1998, da Companhia das Letras, com capa de Victor Burton (exibida acima). (O
livro permaneceu em silêncio durante muitos anos na estante de minha casa, até
que resolvesse tomá-lo para a leitura. Não é preciso ler imediatamente todo
livro que compramos. Eles podem esperar.)
A mais recente edição
saiu pela Nova Fronteira, em 2016, com a capa exibida abaixo. Deixo ao leitor a
melhor escolha. Eu, prefiro a primeira, pela sutileza.
O louco e suas provocações literárias de dar água na boca. Como ler tudo?
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