Era o primeiro dia do verão do ano de 1700, portanto o primeiro verão de um novo século, e para glorificá-lo, Kobaiashi Takarai, nascido na província de Iga, filho de uma família de samurais, decidiu compor o mais belo haicai do mundo.
Naquela época o haicai ainda não se chamava haicai, forma abrasileirada muitos séculos depois, de um tipo de poema composto de três versos que Kobaiashi denominava hokku ou haiku – originário do waka, surgido no século VII –, e quando pronunciava ou apenas pensava na palavra waka, o fazia com o maior respeito, curvando-se diante do nada.
A tradição dos haicaistas japoneses da época exigia que a Natureza fosse a única inspiração para a construção do haicai. E como era o início do verão de um século mágico, o de 1700, Kobaiashi decidiu-se pelo Verão como tema para o mais belo haicai do mundo.
Não tinha pressa, poderia levar todo o verão, estação de temperaturas amenas em Iga, de onde o poeta nunca saíra, concentrado em seus estudos sobre poesia e pintura, sob a orientação do mestre Kitamura Kigin (1624-1705). Aqueles que o conheciam sabiam que Kobaiashi Takarai era um homem contemplativo, desligado das coisas mundanas, ocupado apenas com a grande arte do hokku.
Aquele verão transcorria plácido, sereno, imóvel, não havia guerra, até mesmo os samurais andavam tomados por certa indolência, na falta de guerrear. A notícia de que estava sendo composto o mais belo haicai do mundo pelo poeta Kobaiashi Takarai correu a província de ponta a ponta, de forma igualmente lenta, pois a pressa era considerada por todos a inimiga número um do japonês. (Nessa época, dizem, é que surgiu o anexim A Pressa É Inimiga Da Perfeição.) Para ser preciso nesse relato antigo, a notícia espalhou-se mesmo por todo o Império, chegando a Edo (hoje Tóquio), a grande capital, e em consequência, aos ouvidos do Imperador.
Em Edo moravam os chamados Dez Mestres do Haicai, que por respeito a esta Arte Secular, são aqui enumerados:
Enomoto Kikaku
Hattori Ransetu
Mukay Kiorai
Kagami Shikô
Naitô Jôsô
Sugyiama Sampú
Shida Yaha
Ochi Etsujin
Tachibana Hokushi
e MoriKawa Kyorotu.
Por sugestão do mestre Shida Yada, casado com uma prima em segundo grau de Kobaiashi, este foi convidado a vir morar em Edo, com a finalidade de aprimorar sua poesia e assim tornar mais bonito ainda, o mais belo haicai do mundo, ora em gestação.
Kobaiashi deixou a distante província de Iga (no início do século XVIII tudo era muito distante no Japão) com o coração partido, pois lá deixou sua amada (inominável!), e com ela toda a sua inspiração.
Findo o verão, no primeiro dia do Outono, Kobaiashi Takarai escreveu:
o Verão terminou
faltou-me inspiração
caem as folhas do Outono
Este foi o último haicai de Kobaiashi Takarai.
MARAVILHOSO ANDRÉ!
ResponderExcluirMeu deus, ainda há quem leia o Louco! Obrigado, Sergio!
ExcluirUm relato primoroso!
ResponderExcluir