segunda-feira, 19 de março de 2018

Inimigos da Literatura



“... o que me deixa mais desmoralizado ultimamente é a suspeita de que, no ritmo em que as coisas vão, não é impossível que a literatura, o que melhor me protegeu nesta vida contra o pessimismo, possa desaparecer. Ela sempre teve inimigos. A religião foi, no passado, a mais decidida a liquidá-la estabelecendo censuras severíssimas e armando fogueiras para queimar os escritores e editores que desafiavam a moral e a ortodoxia. Depois foram os sistemas totalitários, o comunismo e o fascismo, que mantiveram viva aquela sinistra tradição. E também o foram as democracias, por razões morais e legais, que proibiam livros, mas nelas era possível resistir, brigar nos tribunais, e pouco a pouco aquela guerra foi sendo ganha –isso acreditávamos–, convencendo juízes e governantes de que, se um país quer ter uma literatura – e, em última instância, uma cultura – realmente criativa, de alto nível, tem de tolerar, no campo das ideias e das formas, dissidências, dissonâncias e excessos de toda índole.”

            O parágrafo publicado por Mario Vargas Llosa em El País (17 Mar 2018), em artigo que traz o título  Novas inquisições – O feminismo é hoje o mais o mais resoluto inimigo da literatura, que pretende depurá-la do machismo, dos preconceitos múltiplos e das imoralidades, é tão elucidativo, que o reproduzo aqui integralmente.
            Em seguida o autor complementa:

“Agora o mais resoluto inimigo da literatura, que pretende depurá-la do machismo, dos preconceitos múltiplos e das imoralidades, é o feminismo. Não todas as feministas, claro, mas as mais radicais, e por trás delas amplos setores que, paralisados pelo temor de serem considerados reacionários, extremistas e falocratas, apoiam abertamente essa ofensiva antiliterária e anticultural. Por isso quase ninguém se atreveu a protestar aqui na Espanha contra o “decálogo feminista” de sindicalistas que pede a eliminação das salas de aula de autores tão raivosamente machistas como Pablo Neruda, Javier Marías e Arturo Pérez-Reverte.”

Llosa cita ainda a análise da escritora Laura Freixas sobre Lolita, de Nabokov, onde ela afirma que o protagonista era um pedófilo incestuoso, estuprador de uma menina que era filha da sua própria esposa. Completa Llosa, mordaz: “Esqueceu-se de dizer que era também um dos melhores romances do século XX.”
            E Llosa conclui: “...graças aos incêndios e ferocidades dos livros a vida é menos truculenta e terrível, mais sossegada, e nela os humanos convivem com menos traumas e com mais liberdade. Aqueles que se empenham em que a literatura se torne inofensiva trabalham na verdade para tornar a vida invivível, um território onde, segundo Bataille, os demônios terminariam exterminando os anjos. Queremos isso?”
            Os que amamos a Literatura não queremos isso!
 O que Llosa esqueceu-se de dizer (está perdoado, pois não vive entre nós) é que o maior inimigo da Literatura é o não-leitor, aquele que não lê. Podemos dizer que o Brasil ainda é um país inimigo da Literatura. As estatísticas são alarmantes sobre os índices de analfabetismo funcional – este sim, poderoso inimigo da Literatura.
Impensável, pois, a vida sem a Literatura.
           






2 comentários:

  1. Excelentes os dois pontos de vista - de Llosa e do louco. Ainda voto no analfabetismo como o inimigo número 1. E fico a cogitar: não haverá gente que participa dos dois grupos - feministas analfabetas funcionais?

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