O artigo do biólogo Fernando
Reinach para o Estadão de hoje (24 Fev 2018), com o título de Evolução experimental – Questão é saber se a
evolução é um processo determinístico ou probabilístico, não pode deixar de
ser comentado neste blog, tamanha sua importância.
O autor inicia com resumo bastante
didático do significado da evolução das espécies através da seleção natural, descrito
por Darwin no livro A Origem
das Espécies:
“Numa população existem pequenas
diferenças entre indivíduos. Essas diferenças (mutações) surgem ao acaso. Parte
dessas diferenças permite que alguns indivíduos tenham mais sucesso (sejam
melhor adaptados) ao ambiente e deixem mais descendentes.
Assim, ao longo do tempo a
população se modifica. É a seleção
natural feita pelo ambiente. Se parte de uma população ocupar um
ambiente novo, a seleção natural vai aos poucos modificá-la, criando uma nova
espécie. Ao longo de 3,8 bilhões de anos, uma única forma de vida originou toda
a biodiversidade do planeta. Os motores desse processo são o aparecimento
randômico de mutações e a seleção pelo ambiente que favorece os mais adaptados.”
A evolução é um processo tão
lento que parecia impossível observá-lo diretamente. Como afirma Reinach, “Afinal,
um elefante não surge do dia para a noite.” Porém, a evolução pode ser
observada diretamente.
“Os elefantes atuais vivem em um
novo ambiente em que um predador (o homem) mata seletivamente os animais com
presas maiores. O resultado é que a população está se modificando. Elefantes
com mutações que provocam uma redução no tamanho das presas estão ficando mais
frequentes e descendentes de mutantes que não têm presas estão aumentando em
número. Se o ambiente não mudar, elefantes com presas desaparecerão. É a
evolução em tempo real. Se ela pode ser observada, é possível fazer
experimentos. Esses experimentos comprovam a teoria proposta por Darwin e
permitem que se estude os detalhes de seu funcionamento.”
A questão central do artigo de
Reinach é saber se a evolução é um processo determinístico ou probabilístico. Ele
pergunta:
“Será que uma mesma população
submetida diversas vezes à mesma pressão ambiental vai se modificar exatamente
da mesma maneira (um processo dito determinístico) ou a cada tentativa ela vai
se adaptar de uma maneira diferente (um processo probabilístico)? Os defensores
do determinismo argumentam que só existem algumas soluções disponíveis para
cada desafio do meio ambiente, e apontam o fato de estruturas semelhantes, como
pernas, olhos e nadadeiras, terem surgido diversas vezes durante a evolução. Um
exemplo clássico é o olho dos polvos que apareceu de forma independente e é
muito parecido com os olhos dos vertebrados (é o que chamamos de evolução
convergente). Os defensores do processo probabilístico dizem que essas
semelhanças são aparentes e acreditam que novas soluções para um mesmo desafio
podem surgir.”
Até que surge um experimento que “consiste
em iniciar o processo evolutivo diversas vezes em condições exatamente iguais e
comparar o resultado após um longo tempo.”
“...existem bactérias cuja
geração dura 20 minutos. Faz dez anos um grupo de cientistas dividiu
representantes da mesma população de bactérias em 12 frascos independentes.
Eles foram submetidos a um ambiente com pouco alimento (açúcar) de modo a criar
uma pressão seletiva. A ideia era observar como cada uma dessas populações
reagiria ao longo do tempo. O experimento já dura 20 mil gerações (o que
levaria 500 mil anos para ocorrer em seres humanos). O resultado mostra que nos
primeiros milhares de gerações todas as 12 populações se tornaram mais
eficientes no uso do açúcar, consumindo cada vez mais rápido a mesma quantidade
de açúcar. As mesmas mutações apareceram e foram selecionadas em cada um dos 12
frascos, mas a ordem em que elas apareceram foi diferente. Tudo indicava que os
cientistas estavam diante de um processo determinístico, os 12 mundos
independentes (frascos) evoluíam em paralelo.
Mas após 5 anos, ou 10 mil
gerações, em um dos frascos apareceram mutantes que conseguiam crescer muito,
mas muito mais rápido. Os cientistas foram examinar o que havia ocorrido e
descobriram que uma nova mutação complexa e altamente improvável permitiu a
essas bactérias se alimentar de um outro componente do meio de cultura, algo
nunca visto na natureza. Elas agora “comiam” dois compostos! E nesse frasco as
bactérias tomaram um novo rumo evolutivo. Já passaram mais 5 anos (10 mil
gerações) e em nenhum dos outros frascos as bactérias “descobriram” esse
truque. Claramente um evento randômico (probabilístico) desviou para um novo
rumo a evolução dessas bactérias.”
E Reinach conclui que “seleção
natural pode caminhar em paralelo e aparentar ser dominada pelo determinismo
por muitas gerações, mas de repente, algo pouco provável ocorre em um dos
universos e a evolução toma um novo caminho. Stephen Jay Gould provavelmente
estava certo quando afirmou que se rebobinássemos a história da vida na Terra
para seu início e apertássemos “play” novamente a vida se desenvolveria de
maneira totalmente distinta.” (Mais informações no livro de Johnatha B. Losos, Improbable Destinies. Fate, chance and the future of evolution. Riverhead Books, 2017).
Fernando Reinach expõe o
problema de forma clara e definitiva. Triste é observar que em algumas
instituições de ensino o Criacionismo ainda é propalado.
Interessantíssimo. A coisa vai ficando cada vez mais difícil para os criacionistas. (Aliás, será que o Trump é criacionista?) O processo da evolução das espécies foi uma grande sacada de D... digo, da Natureza.
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