domingo, 25 de fevereiro de 2018

Mania de livro




Gosto do jeito de escrever da Ruth Manus, cronista aos domingos em O Estado de S.Paulo. Ela fala da vida cotidiana, de coisas simples, até com certa intimidade – seus familiares frequentemente visitam a crônica – e sempre de bom humor.
O texto de hoje intitula-se As pessoas e seus livros (25 Fev 2018), e trata de assunto que este blogueiro venera, o livro.
Ruth relata episódio vivido com o próprio pai, provavelmente um austero professor:
“Ele se aproximou lentamente, como quem estica o pescoço assustado para observar uma vítima de acidente ou um animal selvagem, e me perguntou o que eu estava fazendo. “Estudando”, eu respondi, um pouco desconcertada com a existência de dúvida perante uma cena tão autoexplicativa. Então ele disse aos solavancos com os olhos arregalados “VO. CÊ. ES. TÁ. GRI. FAN. DO. O. LI. VRO. COM. CA. NE. TA?”. Eu, cada vez mais desnorteada, respondi que sim, estava grifando com marca texto laranja e fazendo anotações com a caneta azul, afinal, o livro era meu, não era da biblioteca. Certo?”

            Esta era a deixa que eu precisava para falar de minhas idiossincrasias livrescas, a começar por esta de marcar frases com caneta. QUE HORROR! Isso não se faz, Ruth! Para isso existem os lápis – um dois três seis nove é sempre lápis. Eu grifo a linha, se é todo um parágrafo faço uma “chave” para destacá-lo, vou à primeira página do volume (que geralmente traz apenas o nome do livro) e assinalo o início do texto e a respectiva página; assim, torna-se fácil re-encontrá-lo.
            Tive um amigo (é sempre triste para mim escrever estas três palavrinhas) que, prevendo anotações abundantes, como as que fazemos num livro sobre Filosofia, comprava logo dois volumes da mesma obra; a um deles, o que receberia anotações, dava o nome de Volume de Trabalho. Eu achava aquilo muito bonito...
            Com este mesmo amigo aprendi que, quando alguém me pede um livro emprestado, vou logo dizendo Pode ficar com ele, O livro é seu, É um presente meu, para poucos dias depois ir à livraria e comprar um volume novinho em folha (bem apropriada esta expressão!) só para mim.
            A tia da Ruth compra o livro, lê e doa, e ela acha aquilo a coisa mais linda do mundo, mas não é capaz de fazê-lo. NEM EU. Ao contrário, tenho o hábito de comprar determinado livro, levá-lo para casa com carinho, colocá-lo na estante, até que surja o dia em que me lembro dele pela mais variada razão, às vezes uma citação em um livro qualquer; então vou à estante com prazer indizível – EU TENHO ESTE LIVRO – e inicio sua leitura.
            Durante muitos anos namorei os Sermões do padre António Vieira, em 5 volumes de capa dura azul escuro, letras douradas na lombada, da Lello & Irmãos Editores, Porto, Portugal, sem que pudesse adquiri-los por serem caríssimos. Mas o dia da extravagância chegou! (Acontece que eu já possuía uma boa edição dos Sermões, brochura comentada por gente competente, mas aquela coleção da Lello... Há quem chame isso de neurose. Eu chamo de neurose boa.)
            Como Ruth, também tenho horror do péssimo hábito de dobrar a pontinha da página para marcar a interrupção da leitura. Aquela marca torna-se indelével, verdadeira cicatriz (dolorida) no papel. Do mesmo modo, não tolero marcar esta interrupção com a orelha do livro, que passa a deformar-se, perdendo o vinco ou dobradura natural.
            Pior mesmo, verdadeiro CRIME, o mais grave de todos, é dobrar o livro, para segurá-lo com uma das mãos. Trata-se de grosseria imperdoável, coisa de quem não merece o nome de leitor. (Se o volume não é costurado, ele vai se desmanchar com a primeira dobrada.)
            Ah!, falta dizer que adoro apreciar as capas! Há as belíssimas e as horrorosas. Como já produzi 4 delas, publicadas, considero-me imodestamente um capista! Trata-se de uma arte. Nos primórdios, as capas não traziam figuras, desenhos, imagens; apresentavam-se lisas, brancas ou amareladas, contendo apenas o título do livro, o autor e a editora. No máximo, uma vinheta. Então surgiram as capas ilustradas, coloridas, chamariz para futuros leitores.
            Eu podia passar o domingo falando de livros, mas há um belo sol lá fora: vou levar comigo um livrinho...



3 comentários:

  1. Grifar, marcar, rabiscar, não dobrar é só o tipo de carícia que escolhemos ou não fazer nos livros. O importante é te-los por perto, fazer deles uma extensão de nós. Eu, veja só, transcrevo para cadernos os trechos que mais gosto.

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  2. Para muita gente apaixonada, livro vira fetiche. Tem cabimento. Para o louco, vira mistério. Também tem.

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