Havia prometido a mim mesmo que jamais voltaria a ler
outro livro do Marcelo Mirisola: perda de tempo, aquele repetir-se repetir-se
repetir-se. Até que surge a provocação de Suzete, inesperada, surpreendente,
atrevida mesmo. Mas não é que ela está cada dia mais sabida? (A história de
cortar cabelo de homem, acho que virou passatempo, ela é mesmo uma ótima
leitora/escritora.)
Na carta anterior a da provocação, Suzete afirma:
“Escrevo principalmente para dizer que virei aquela página”, referindo-se ao
assassinato no salão. Gostei da expressão “virar a página”. Significa que o
passado não foi esquecido, ele está lá, registrado in totum no livro da vida, nenhum detalhe menosprezado, porém é
passado, à medida que a página foi virada. Ao virá-la, surge uma nova página,
em branco, pronta para ser preenchida por vivências ou escrita, se quem a virou
tem o hábito de escrever. “E la nave va...”
Voltemos
ao Mirisola. Parece que o homem agora se mostra por inteiro, surpreendendo o
leitor com uma confissão incrível, humana, sincera. Lá pelo fim do livro citado
por Suzete, Como se me fumasse (Editora
34, 2017), o autor assinala:
“...o jovem, a lufada de oxigênio, o cara que
espanou a poeira das letras brasileiras e escancarou as porteiras de um gênero
fora de moda que teve seu auge, aqui no Brasil, nos 70; logo eu, o responsável
pelo ressurgimento do conto: lugar onde Borges, Cortázar, João Antônio e tantos
outros reinaram, deitaram e rolaram. Logo eu que escrevia contos porque não
conseguia escrever um romance. Com um agravante que seria notado somente dez
anos depois, e que contaminaria desde a legião de pangarés diluidores de praxe
até notórios figurões das artes e do samba: escrevo deliberadamente na primeira
pessoa, e assino meu nome em baixo, sem pudores nem disfarces. Eu quero é
rosetar! Não fiz essa merda toda por descuido, era minha intenção embaralhar
autor e narrador, atingi meu objetivo. Eu mesmo, o Pedro Álvares Cabral da
autoficção no Brasil, misturei as coisas e caí na minha própria armadilha,
alucinei.”
Eis a
confissão: “embaralhar autor e narrador”,
este foi o truque utilizado por Mirisola, e que pegou críticos e leitores com
as calças na mão, desde o lançamento de Fátima
fez os pés para mostrar na choperia. Não apenas isso; acrescento o ritmo
alucinante da escrita, cheia de humor.
Ora,
segredo porra nenhuma, todo mundo sabia disso. Quem gostava, gostava, quem não
gostava...
O
resultado da repetição foi que o autor caiu na própria armadilha. Mesmo assim,
continua escrevendo, publicando livros, repetindo, confessando, alucinando, etc.
Os que apreciam Mirisola continuam lendo
Mirisola. Suzete e eu, por exemplo. Eu, mais ou menos...
Nem sempre criador e criatura coincidem...
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