quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Reviravolta no Caso do Assassinato no Salão


(Peço encarecidamente ao possível leitor deste blogue que leia primeiro (caso ainda não tenha feito) a postagem anterior a esta, Suzete em apuros, para depois sim, ler a presente Reviravolta...)


            Por um lapso imperdoável, justificável apenas pela agitação de que foi tomado este narrador tão logo soube dos apuros em que se meteu Suzete, até agora não mencionei o nome do senhor delegado de polícia, que com tanto zelo vem conduzindo o Caso do Assassinato no Salão de Beleza. Arturo, chama-se o homem, nome italiano, sabe-se lá se os pais dele não eram aficionados pela música de Verdi, Beethoven ou Brahms.  
            Nas conversas que tenho com Suzete diariamente fui informado de que transcorridos seis dias do crime, o caso ainda não foi solucionado, o que deixa o delegado Arturo em situação difícil, pressionado pela mídia local e até estadual. Não foi por outra razão que chegou à A. o inspetor chefe Dr. Wellington, enviado pelo próprio Governador.
            Dr. Wellington é tido como sumidade na área da perícia investigativa, cuja fama corre mundo, por ser desvendador dos crimes mais complexos. Em silêncio, sem os arroubos do delegado Arturo, ouviu com cuidado o relato de tudo o que havia sido apurado até então, incluindo a tese de que o homem não havia morrido pela tesourada na virilha, e sim por intoxicação por arsênio, através do pequeno corte na orelha direita, tese esta repetida ad nauseam pelo delegado.
            Minuciosa busca em casa de Suzete não evidenciou qualquer traço de arsênio, porém ela foi intimada a depor diante do inspetor Wellington, para enorme constrangimento de nossa amiga cabeleireira. O inspetor escarafunchou-lhe o passado, perguntou sobre o casamento com Afonso, a tentativa de homicídio, por ciúme, que ela sofrera pelo próprio marido, a posterior prisão de Afonso, sua morte por câncer na prisão, como ela foi parar em A. tendo residido vários anos em Brasília, e ela foi respondendo tintim por tintim, muito calma, sem qualquer indício de que fosse uma criminosa.
            Seguiu-se o interrogatório das outras cabeleireiras, incluindo Albertina, dona do salão. Terminada essa fase da investigação, Dr. Wellington reuniu-se com o delegado Arturo, na presença de todos os interrogados, inclusive Suzete. O inspetor afirmou com voz pausada e grave:
            “A hipótese da morte pelo arsênio, seguida da tesourada (parece que até ele, o inspetor, gostou do termo) na virilha, exposta pelo delegado Arturo é bastante engenhosa, brilhante mesmo, porém não pode estar correta.”  
            Ouviu-se um Óóóóóó!!! na delegacia, exclamação de espanto geral, “permita-me o pleonasmo, André”, afirmou Suzete ao telefone, com aquele seu tom de sabe-tudo. O inspetor prosseguiu:
“O arsênio, cuja história foi tão bem enunciada pelo delegado Arturo, não provoca a morte por simples contato com a pele, mesmo havendo um ferimento como aquele na orelha direita da vítima. Algum grau de intoxicação haverá de causar, porém é necessária a ingestão de quantidade maior, ou injeção intravenosa do arsênio, para causar o óbito. Nada disso ocorreu. Talvez o delegado tenha se confundido com o efeito altamente letal da estricninina, esta sim, substância perigosíssima, mortal em doses mínimas. Porém, não há referência a esta substância no laudo do legista.
Por que então a presença de arsênio, substância incomum, na orelha da vítima e na tesoura?  Penso que se deve ao fato do assassino ou também confundir o efeito do arsênio com o da estricnina, como fez nosso delegado Arturo, ou então trata-se de algum tipo de despistamento, apenas desejo de nos confundir a todos. Porém, é possível que esta pessoa tenha alguma familiaridade com venenos ou substâncias estranhas. Estranha pessoa...
Desse modo, concluo que o homem morreu mesmo por exsanguinação provocada pela tesourada na virilha. Digo ainda que foram necessários pelo menos dois comparsas para segurar a vítima, para que ela fosse imobilizada na cadeira na posição em que foi encontrada, semideitada, com a cabeça pendente, antes do ataque final. Aliás, a distribuição dos fios de cabelo espalhados pelo chão, em volta da cadeira onde o crime foi perpetrado, indica sinais de luta corporal.
Suponho ainda que o golpe mortal tenha sido desferido por uma mulher, mais precisamente uma cabeleireira, cuja escolha da arma, uma tesoura de cortar cabelo, parece-me bastante natural. A criminosa há de ter intimidade com a arma, que desferida em região do corpo onde se encontra uma artéria relativamente superficial e calibrosa, como é o caso da artéria femoral, palpável com facilidade na virilha, um golpe bem desferido no local há de ser mortal.”
Disse-me Suzete que a plateia estava estupefata – palavra empregada por ela mesma – com o discurso do inspetor. Quando ele falou em “intimidade com tesoura”, bambearam-lhe as pernas.
Suzete estava miseravelmente abalada.
Naquele momento eu tinha compromisso inadiável e precisei interromper a conversa com Suzete pelo telefone. Prometi-lhe que ligaria na manhã seguinte. E assim o farei. Talvez fosse melhor voltar a A., pessoalmente.


            

2 comentários:

  1. Eu não disse que tinha continuação? Fiquemos todos na espera de mais um capítulo, que a coisa embalou! Curioso ( e suspeito) é que a colega cabeleireira feiticeira esquisita não foi mais mencionada. Outra coisa: nenhuma outra das colegas de salão da Suzete foi chamada a depor?! A que horas ocorreu o crime? Onde estava Suzete naquele momento? Só falta a Suzete estar em algum lugar inconfessável, na hora do crime...
    Xi, o caso é complicado!

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