sábado, 30 de dezembro de 2017

A bruxa de A.

    (Peço encarecidamente ao leitor deste blogue que leia primeiro (caso ainda não tenha feito) as postagens anteriores a esta, Suzete em apuros,  e a Reviravolta no Caso do Assassinato no Salão de Beleza, para depois sim, ler a presente A bruxa de A.)

        
            A hipótese levantada por Dr. Wellington, o inspetor, ganhou força quando encontraram frasco com arsênio, em meio a enorme quantidade de substâncias as mais diversas, na casa de Margarida. Também Suzete havia proposto a tese da cabeleireira estranha, mulher calada, de muito pouca conversa, possível suspeita.
            A batida em casa de Margarida foi ordenada pelo delegado Arturo, sugestão de Wellington. (Para surpresa geral, ambos os policiais desenvolveram parceria exuberante, verdadeira amizade, ou mais que isso, nascida ao longo da investigação, contrariando o que se vê no cinema, nos filmes ditos policiais, em que há rivalidade explícita entre agentes do FBI e da Polícia Estadual. Nas horas de folga saiam para beber, comiam em restaurantes modestos, eu diria que românticos, a tal ponto que as maledicências proliferaram. Dava gosto vê-los juntos, discutindo particularidades do crime, aventando hipóteses.)
            Margarida recebera a alcunha de bruxa e não foi de graça; a casa dela mais parecia um laboratório de misteriosos experimentos. Até sapos imersos em vidros de formol havia, além de aranhas caranguejeiras, percevejos, caranguejos, pererecas, minhocas gigantes, lagartas de todos os tipos, pequenas cobras verdes, coloridas, venenosas e não venenosas, tudo muito bem acondicionado por gente que entendia do assunto. Para que aquilo tudo servia, não se sabe. Os supersticiosos chamavam-na de bruxa.
            Faltava, porém, a ligação entre Margarida e os possíveis comparsas, ainda não identificados pela polícia. Também não havia qualquer ligação entre ela e Edson Maranhão, vulgo Socó, o homem encontrado estirado na cadeira de Suzete, com uma tesoura cravada na virilha. O que havia eram muitas coincidências, filósofo da criminalística, afirmava Dr. Wellington Marins, com a aprovação de Arturo de Barros.
            O povo da cidade de A., açodadamente, pedia a cabeça de Margarida, mulher, calada, estranha, dona de laboratório suspeito, ela mesma suspeita de bruxaria. A Idade Média revivia em A.
            A conversa que tive com Suzete levava a motivação do crime para outra direção:
– E o que o tal Socó faz na vida, Suzete?
– Traficante de drogas.
– Bem, já é meio caminho para morte violenta, não é mesmo?
– Se é! Parece que nenhuma das meninas do salão teve contato com ele, nem mesmo Margarida.
– Pegou a droga e não pagou...
– No meu ponto de vista trata-se de ajuste de contas.
– E por que no salão de beleza, e ainda por cima na sua cadeira, Suzete?
– O crime foi cometido à noite. A porta do salão não é difícil de ser arrombada. O lugar é sossegado, adequado para o tal ajuste de contas, e por isso não houve testemunhas.
– E a cabeça raspada pela metade, a orelha cortada...?
– Não há respostas para todas essas perguntas, incluindo o achado de arsênio. Ao que tudo indica, o assassino, mesmo não sendo cabeleireiro, sabia manejar a tesoura, coisa nada difícil, convenhamos, e conhecia a localização precisa da artéria femoral.
– Então vocês estão aliviadas?
– Acho que sim.
            Suzete não parecia assim tão segura de si, não havia convicção em suas respostas. A investigação prosseguia. Wellington e Arturo, inseparáveis, empenhadíssimos na solução do enigma amplamente conhecido como o Assassinato no Salão de Beleza.
            A vizinhança de Margarida foi minuciosamente vasculhada. Até que uma das vizinhas resolveu dar com a língua nos dentes: ela vira Edson Maranhão, dito Socó, entrar e sair várias vezes da casa de Margarida, altas horas da noite. Pela manhã bem cedo, despediam-se aos beijos, afirmou categórica dona Zulmira, vizinha de porta. “Eram namorados, com certeza.”
            Dr. Wellington não pestanejou, pediu a prisão preventiva de Margarida, apoiado pelos métodos da Lava Jato. A bruxa, que não esperava por essa, descompensou, teve um ataque de nervos ao entrar no camburão, outro ao ser empurrada para a cela gelada, na companhia de ratos e baratas. Foi nesse ponto dos acontecimentos que entrou a expertise (jamais poderia imaginar que um dia me utilizaria desta palavra em algum texto meu!) de Wellington Marins: o interrogatório!
            O inspetor era implacável, incansável, determinado, obstinado, criativo, verdadeiro virtuose na arte de extrair qualquer segredo do interrogando, sem uso da força física, naturalmente. A tormenta era tão somente psicológica, e que tormenta! A coisa piorou para Margarida quando Arturo, que ainda se dedicava a explorar o bairro onde ela morava, descobriu que dois comparsas na execução do crime eram primos da bruxa, ambos residentes em A. Ela não teve outro jeito senão confessar o crime.
            De fato, ela acreditava no efeito mortal agudo do arsênio. Como Socó não sucumbiu ao veneno, o remédio foi segurá-lo à força pelos dois capangas, enquanto a própria Margarida aplicava-lhe a fatal tesourada na virilha, com habilidade no manejo da tesoura digna de uma boa cabeleireira. Enquanto o homem era exsanguinado, um dos marginais brincava de barbeiro, raspando-lhe a cabeça com máquina zero, operação interrompida pela metade com o advento da morte, quando fugiram todos.
– E por que na cadeira da senhora Suzete, perguntou Wellington?
– Porque Edson andava arrastando asa pra cima de Suzete ultimamente, respondeu Margaria, com expressão de ciúme, filho do ódio.
Por esta ninguém esperava; eu, menos ainda. Suzete negou qualquer participação sua no triângulo amoroso, porém nem todos se convenceram. (A agitação dela, a permanente e exagerada angústia durante todo o desenrolar das investigações, sei não...)
Agora começava a caçada aos primos de Margarida. Voltei para casa, dando o caso por encerrado. Na minha partida, recebi efusivos agradecimentos de Suzete:
            – Desejo agradecer-lhe mais uma vez pelo apoio que me deu, André. Foram dias de muita angústia e sua presença fez toda a diferença para mim. Sou-lhe imensamente grata. Que Deus lhe pague, pois eu mesma jamais poderei pagar esta dívida.
            O salão foi reaberto, a vida prosseguiu. Pelo sim, pelo não, Suzete resolveu trocar de cadeira.

Algo de bom sempre pode surgir da mais negra tragédia (nem Shakespeare foi capaz de elaborar afirmação deste quilate): Arturo e Wellington mudaram-se para São Paulo, alugaram confortável apartamento nos Jardins, vivem felizes, feitos um para o outro.

3 comentários:

  1. Ótimo! Tudo se encaixou, redondinho. Pode-se dizer, a partir de agora, e com toda propriedade, que essa Suzete é de morte...

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  2. Muito bom, mais muita perseguição sua a escolha da cidade nova de Arturo e Wellignton. Com o diz o Tio Paulo, "essa Suzete é de morte..." mesmo, não seria melhor você se afastar dela André?

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