“Falíveis
e pesadões, dicionários são muito úteis, mas a língua é maior.” Com esta frase
Sérgio Rodrigues definiu aquele que também é conhecido como pai-dos-burros, em
sua crônica para a Folha de S.Paulo (19/10/2017).
O cronista confessa,
como este blogueiro, sua paixão por dicionários. “Tenho
uma prateleira cheia deles”, diz ele; eu tenho cinco!
Afirma
Rodrigues: “Obras monumentais, os dicionários costumam inspirar um sentimento
de reverência que frequentemente descamba para o fervor religioso. Muita gente
supõe que todas as dúvidas sobre a língua possam ser esmagadas como moscas sob
o peso de suas páginas.”
Penso que
já tive este sentimento de fervor religioso pelos dicionários, desde quando
herdei de meu avô o Grande e Novíssimo Dicionário
da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire, em cinco volumes, encadernação
de couro, editado pela José Olympio, 2a edição, 1954. (Pena que a
capa do segundo volume esteja danificada, a exigir restauração.) Outra
preciosidade (que nunca consultei): Dicionário
Latino-Português, de Francisco Torrinha, Edições Maranus, Portugal, 1945.
Dicionários de palavrões, tenho vários. De Gramática então nem se fala.
Hoje
consulto o deus Google.
(Porém, o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira
dos Santos Azevedo (Lexikon, 2010), continua em pleno uso, é obra fundamental
para quem escreve ficção.)
Continua Rodrigues: “Se a língua que usamos para dar conta do mundo é ágil,
vertiginosa, dicionários são pesados e conservadores por definição. Isso é bom.
Caso corressem para registrar todos os neologismos e gírias da moda, teriam que
promover expurgos periódicos para se livrar de bobagens precocemente
esquecidas.”
Porém, os dicionários de vez em quando
comem mosca e omitem o que já é de domínio público. E o cronista nos oferece um
ótimo exemplo: “Faz mais de meio século que "poeta" está consagrado
entre falantes cultos como substantivo de dois gêneros, tanto no Brasil quanto
em Portugal. ... Para a maioria dos
lexicógrafos, "poeta" é vocábulo masculino e pronto. Até o
"Houaiss", o melhor dicionário da língua portuguesa, nega-lhe o
documento unissex que ele merece faz tempo.”
De fato, chamar Hilda Hilst de poetisa
é mais que uma ofensa, é diminuir-lhe a obra.
Sério Rodrigues vai discorrendo sobre dicionários com
a leveza e brilhantismo de sempre, até que chega ao surpreendente último
parágrafo, que nada tem a ver (ou passa raspando) com o tema da crônica, mas
não deixa de ser oportuno:
“O
ex-procurador Marcelo Miller declarou à Polícia Federal que fez apenas reparos
"linguísticos e gramaticais" a um esboço de delação da JBS. Achei
frágil a defesa. A julgar pelo português de Joesley Batista, deve ter reescrito
o documento inteiro.”
Rodrigues
perde a coerência mas não perde a piada, no país da piada pronta!
A foto lembrou os dicionários velhos com as páginas amareladas lá em casa.
ResponderExcluirOs dicionários dão uma sensação de segurança, de proteção. São os paizões de nós todos, que nada sabemos.
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