quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Amor ao Dicionário



           Falíveis e pesadões, dicionários são muito úteis, mas a língua é maior.” Com esta frase Sérgio Rodrigues definiu aquele que também é conhecido como pai-dos-burros, em sua crônica para a Folha de S.Paulo (19/10/2017).
            O cronista confessa, como este blogueiro, sua paixão por dicionários. “Tenho uma prateleira cheia deles”, diz ele; eu tenho cinco!
            Afirma Rodrigues: “Obras monumentais, os dicionários costumam inspirar um sentimento de reverência que frequentemente descamba para o fervor religioso. Muita gente supõe que todas as dúvidas sobre a língua possam ser esmagadas como moscas sob o peso de suas páginas.”
            Penso que já tive este sentimento de fervor religioso pelos dicionários, desde quando herdei de meu avô o Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire, em cinco volumes, encadernação de couro, editado pela José Olympio, 2a edição, 1954. (Pena que a capa do segundo volume esteja danificada, a exigir restauração.) Outra preciosidade (que nunca consultei): Dicionário Latino-Português, de Francisco Torrinha, Edições Maranus, Portugal, 1945. Dicionários de palavrões, tenho vários. De Gramática então nem se fala.
            Hoje consulto o deus Google.
  (Porém, o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo (Lexikon, 2010), continua em pleno uso, é obra fundamental para quem escreve ficção.)
            Continua Rodrigues: “Se a língua que usamos para dar conta do mundo é ágil, vertiginosa, dicionários são pesados e conservadores por definição. Isso é bom. Caso corressem para registrar todos os neologismos e gírias da moda, teriam que promover expurgos periódicos para se livrar de bobagens precocemente esquecidas.”
Porém, os dicionários de vez em quando comem mosca e omitem o que já é de domínio público. E o cronista nos oferece um ótimo exemplo: “Faz mais de meio século que "poeta" está consagrado entre falantes cultos como substantivo de dois gêneros, tanto no Brasil quanto em Portugal. ... Para a maioria dos lexicógrafos, "poeta" é vocábulo masculino e pronto. Até o "Houaiss", o melhor dicionário da língua portuguesa, nega-lhe o documento unissex que ele merece faz tempo.”
De fato, chamar Hilda Hilst de poetisa é mais que uma ofensa, é diminuir-lhe a obra.
Sério Rodrigues vai discorrendo sobre dicionários com a leveza e brilhantismo de sempre, até que chega ao surpreendente último parágrafo, que nada tem a ver (ou passa raspando) com o tema da crônica, mas não deixa de ser oportuno:

“O ex-procurador Marcelo Miller declarou à Polícia Federal que fez apenas reparos "linguísticos e gramaticais" a um esboço de delação da JBS. Achei frágil a defesa. A julgar pelo português de Joesley Batista, deve ter reescrito o documento inteiro.”

            Rodrigues perde a coerência mas não perde a piada, no país da piada pronta!




2 comentários:

  1. A foto lembrou os dicionários velhos com as páginas amareladas lá em casa.

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  2. Os dicionários dão uma sensação de segurança, de proteção. São os paizões de nós todos, que nada sabemos.

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