segunda-feira, 10 de julho de 2017

De amor e trevas


             

            Havia prometido a mim mesmo, depois dos 70, que não leria mais qualquer livro com mais de 200 páginas. Certamente com medo de não chegar ao fim.
            Deliciei-me com Judas, de Amós Oz, um romance espetacular. Então me cai nas mãos o tal De amor e trevas, do mesmo autor, escrito em 2002, que fez estrondoso sucesso em Israel e no resto do mundo, traduzido para mais de 30 idiomas, e que virou filme, dirigido e estrelado por Natalie Portman, atriz americana nascida em Jerusalém.
            Um problema: 600 páginas. Impossível, pensei.
            Ontem, tarde da noite, acabei a leitura do livro, em apenas um mês.
            Como descrevê-lo?



    Sem dúvida, um clássico!
            Romance, autobiografia, infância, adolescência, juventude, história, a guerra, fundação do Estado de Israel, a ideia do judaísmo, sionismo, intimidade de uma família, o filho único, mãe deprimida e suicídio. (Como colocar tudo isso e muito mais em menos de 600 páginas?) Escrita fluida, às vezes como fluxo de consciência, sempre elegante, que prende o leitor de qualquer idade.
            A tradução, diretamente do hebraico, é de Milton Lando.

“Mamãe, você está bem?”, é a pergunta recorrente que o filho faz à mãe, preocupado, impotente, amedrontado, frágil, temendo o pior. Se o suicídio de um amigo pode tornar-se para nós um problema, o suicídio da própria mãe é para o resto da vida. 
"Mamãe, você está bem?" Este é um livro também sobre o suicídio.
            Amos Klausner, o pequenino filho de imigrantes intelectuais sionistas da Europa Oriental, termina como Amós Oz, membro do Kibutz Hulda.

            Relata Oz que estava de sentinela, numa noite de inverno, quando pergunta ao colega Efraim, “se ele já havia atirado em um desses assassinos”, durante a Guerra da Independência. 
           Ao que Efraim responde:

“Assassinos? Mas o que você espera deles? Do ponto de vista deles, somos estrangeiros vindos de outro planeta, que aterrissaram e invadiram as suas terras. Devagarinho fomos tomando pedaço por pedaço, e enquanto assegurávamos a eles ter vindo para o seu bem – para curá-los dos vermes e do tracoma, libertá-los do marasmo, da ignorância e da opressão feudal –, fomos espertamente garfando mais e mais de sua terra. Então, o que você acha? Que vão nos agradecer pela benevolência? Que viriam nos receber com fanfarras festivas? Que viriam nos oferecer numa cerimônia as chaves de todos os lugares que ainda não tomamos só porque nossos antepassados viveram por aqui um dia? Você ainda se surpreende quando eles empunham as armas contra nós? E agora, depois de impor-lhes uma derrota fragorosa e ter deixado centenas de milhares deles em campos de refugiados, ainda acha que vão fazer festinha para nós e nos desejar tudo de bom?”
“Fiquei atônito”, completa Oz.

Este breve diálogo expõe claramente a posição política de Oz, diante da milenar disputa entre árabes e judeus, por pedaço de terra que possa ser chamado de pátria. Uma posição a favor da paz.
            Aos 70, depois do desaparecimento de Saramago, confesso que já não tinha esperança de encontrar um livro tão emocionante.


2 comentários:

  1. Gracias por este reforço da indicação, André. Vou lê-lo.

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    1. Depois me diga o que achou! (Em tempo, leia devagar, como que saboreia um ótimo vinho!) Abraço!

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