terça-feira, 21 de março de 2017

Suzete conta a verdade

Querido André,

eles não sabem, ninguém sabe, só nós dois sabemos, você soube contar essa história tão bem, e até publicá-la em livro e no Louco – o belíssimo Folhetim –, de tal modo que agora posso contar a verdade e acho que isso não vai fazer a menor diferença porque ninguém vai entender nada, tão complicada tornou-se a trama, tantos personagens, parecida com esses filmes sobre espionagem que quando acabam a gente diz que não entendeu nada. Há!
            André – e por isso esta intimidade –, você era o homem triste, o homem mais triste que já conheci, quando cortei seu cabelo pela primeira vez. Então decidi escrever diretamente a você, sem intermediários, sem subterfúgios (aprendi esta palavra com o Evandro Affonso Ferreira, indicação sua), sem meias-palavras, e esta era a verdade que precisava contar, na esperança que a torne pública em seu já famoso blog.
            Mas aquela história ficou para trás. Os tempos agora são outros, você já não está triste, vamos rompendo.
            Escrevo para contar que estive em Portugal! Você acredita?! Verdade, conheci Lisboa, para mim a cidade mais linda da Europa, justamente porque foi a única que conheci na Europa até agora. (Escrevo isso pensando que assim o diriam os portugueses, no seu modo enviesado de dizer as coisas, enviesado para nós, que para eles é o modo mais direto e óbvio de dizer as coisas.) Fui ao primeiro Congresso Ibero-Americano de Cabeleireiros, Manicures, Pedicures e Afins. Dá para acreditar?! Veja você, verdade verdadeira! (Ups!, li no seu livro 47 cenas de um romance familiar que seu pai brigava com sua mãe porque ela usa esta expressão e ele dizia que isso não existia, que verdade só podia ser verdadeira...)
            Explico. Cabeleireiros, manicures, pedicures e afins, segundo os próprios portugueses, mudaram a cara de Portugal. Como? Conversando. Você sabe que esta raça de cabeleireiros, manicures, pedicures e afins gosta de conversar, e foi conversando que passou a influir até no modo de falar dos gajos. Eles estão abrindo as vogais, pá!
            E sabe sobre o que tanto conversam brasileiras e portuguesas? Sobre novelas, ao famosas novelas brasileiras. O astro, Escrava Isaura, Mulher sem destino, A sombra de Rebeca, O tronco do ipê, Casa de pensão, Insensato coração, Estrada do pecado, Meu pedacinho de chão, Ilusões perdidas, a lista não tem fim, você que gosta de listas, e parece que, atualmente, a que faz o maior sucesso chama-se Vale a pena ver de novo, no horário da tarde. Confesso que não entendo nada de novelas, não troco um livro por qualquer uma delas, as colegas portuguesas queriam saber o final desta ou daquela história e eu não sabia o que dizer, mas não posso menosprezar as novelas brasileiras: pagaram-me passagem e estada em Lisboa durante uma semana! Um luxo só!
Usos e costumes estão mudando, e tem até gente escrevendo tese de mestrado sobre o fenômeno. (Aliás, esse pessoal da Academia, lá como aqui, basta um peido atravessado e já estão escrevendo uma tese.) (Desculpe-me, voltei a ler Marcelo Mirisola...)
            Os organizadores do Congresso souberam que gosto de ler e escrever pelo Louco por cachorros! Você acredita? O Louco chegou a Portugal! Então me convidaram para que eu contasse minha experiência de cabeleireira e leitora, dos preconceitos que tenho sofrido, da inveja das colegas de trabalho, tudo isso, coisas boas e coisas não tão boas, como na vida. Contei tudinho, de como comprava meus livros em sebos, de como lia entre um corte e outro, minha preferência por cabelo de homem, dos clientes que estranhavam e ainda estranham esse meu hábito – puro preconceito –, até de você eu falei, sei lá se isso interessava a eles, mas fui falando falando falando (aprendi isso com você e gosto muito, repetir três vezes a mesma palavra sem usar vírgulas, acho que se chama linguagem oral, sei lá) falei durante quase duas horas, acredita?, e fui aplaudidíssima ao final! Não é muito chique isso tudo, André?
            Já estou de volta ao Brasil, de modo que não tive a oportunidade de procurar o Manoel, que anda pelas ruas de Lisboa por onde caminhava Pessoa! Morri de inveja.
            Bem, vou terminando minha cartinha, era só um alô, cheio de saudade. Depois escrevo mais.
Um grande beijo de quem o ama,
                                                                         

                                                                                    Suzete.


6 comentários: