quarta-feira, 15 de março de 2017

Obsessividade construtiva.



Óleo The Agnew Clinic de Thomas Eakins, de 1889.


Em sua crônica de hoje na Folha de S. Paulo (15/3), Os destinos do obsessivo, o psicanalista e pensador Fancisco Daudt fala de um aspecto do funcionamento mental pouco comentado, o de que um determinado traço psíquico pode tornar-se doença, ou pode trazer ganho para seu portador.
Ao falar da obsessividade, Daudt afirma que ela surge a partir de duas premissas genéticas: “inteligência (não há obsessivos burros) e herança (pode procurar nos familiares)”.  
“A partir daí ela seguirá dois possíveis destinos típicos: o hipercultural e o contracultural. No primeiro, é como se ela [a criança] quisesse mostrar que não precisa ser mandada, pois já sabe cumprir as leis da cultura, e sabe-as muito melhor do que todos. É a criança certinha que não dá trabalho.
No contracultural, ela é rebelde, se vinga das imposições da cultura. Começa por não fazer no penico, e sim no tapete da sala. Em sua campanha negativista de protesto, será bagunceira, impontual, procrastinadora, respondona, desmazelada com suas roupas e com a higiene, tenderá a aderir à tribos bizarras. ... o ser contracultural, prisioneiro da vingança, é um obsessivo de carteirinha.”
            Afirma Daudt que a obsessividade pode ser “uma bênção...”, mas ela precisa tornar-se “um instrumento de seu portador”. Se este mesmo portador passa a ser escravo dela, aí vira doença.
            Acrescento aqui meu testemunho de que esta teoria parece-me correta. Desde sempre sou da opinião que, se algum dia eu precisasse ser operado, escolheria um cirurgião obsessivo! E não digo isso sem fundamento: eu mesmo fui um cirurgião obsessivo. Que o comprovem meus colegas e ex-alunos, especialmente aqueles que foram meus residentes (e sofreram em minhas mãos).
            Quando iniciei meu aprendizado em Cirurgia, ainda estudante de Medicina, e ao longo de toda minha carreira, observei que havia dois tipos de profissionais: os que desejavam terminar logo com o que estavam fazendo, sem se importarem como o faziam, e aqueles minuciosos, detalhistas, demorados no que faziam, sem pressa de acabar. Bem mais tarde passei a classificar estes últimos de obsessivos, verdadeiro dom para a formação de um bom cirurgião. É a obsessividade construtiva!
            Penso que este meu traço psíquico tenha ficado por aí, que não tenha virado doença. Salvo uma ou outra exceção... 




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