segunda-feira, 18 de julho de 2016

Ódio à Psicanálise

Em entrevista publicada no El País (3 JUL 2016) por Borja Hermoso, George Steiner, aos 88 anos, denuncia a má educação que ameaça o futuro dos jovens: “Estamos matando os sonhos de nossos filhos”.
O currículo de Steiner impressiona: professor de literatura comparada, leitor de latim e grego, eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; vencedor do Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; polemista e mitólogo poliglota, autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ou Dostoievski ou A Poesia do Pensamento, etc.
            Pois ele declara: “Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória”.
            A entrevista é longa, e antes de chegar ao ponto que me interessa, destaco algumas afirmações do filósofo.
O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção. [...] Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias... e certamente parece ajudar.”(O Louco chama isso de escrita terapêutica.)
A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.”
Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle... Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo... De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.”
“O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos.”
“O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores... Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico.”
A entrevista continua, os pontos de vista apresentados pelo filósofo são interessantíssimos, porém, de repente deparo-me com uma surpreendente manifestação de ódio. Perguntado se tinha simpatia pela Psicanálise, Steiner respondeu:

“A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença. [...] Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.”

            Chegamos ao ponto que me interessa. Ao dizer-se enojado – a palavra é forte – penso que Steiner confessa o sentimento de ódio que carrega sobre o assunto. Declarações como esta não são raras. Kafka, contemporâneo de Freud, afirmou que desejava “manter-se o mais longe possível da Psicanálise”. José Saramago, nosso Nobel de Literatura da língua portuguesa, também manifestou idêntica opinião. A lista é longa; agora Steiner, com ênfase impressionante: “...a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja”.
            Esta frase é emblemática e contem três aspectos interessantes. Primeiro a questão do dinheiro, o devido pagamento ao psicanalista, que com enorme frequência afeta os analisandos. Como todo ser humano, estes só desejam receber, não querem dar nada. Sentem-se explorados pelo analista, que segundo eles, conscientemente ou não, tem a obrigação de atendê-los. Trata-se de manifestação puramente infantil.
            O segundo ponto é o do segredo. Mas que segredo? Os problemas do homem são impressionantemente semelhantes! Quando verbalizados, e então deixam de ser segredos, perdem por completo sua força, interdição, mistério, pecado. Tornam-se fatos banais, corriqueiros, mundanos, comuns a todos os seres humanos. Édipo Rei, de Sófocles, tem mais de 2.400 anos...
            O terceiro aspecto é o da intimidade. O processo analítico gera intimidade entre duas pessoas, e não há nada de errado nisso! Exige sim muito trabalho, tempo, paciência, perseverança, elementos que haverão de trazer benefícios ao funcionamento mental de ambos, permitindo o afloramento das manifestações do inconsciente.
            Wilfred Bion (1897-1979) chamou tais manifestações de “ódio à Psicanálise”. A expressão cai bem diante das declarações de Steiner. A Psicanálise pode não servir a ele, mas por que ignorar o benefício que traz a milhares de seres humanos que padecem de sofrimento psíquico?
            De qualquer modo, vale a pena ler a entrevista de George Steiner.

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467214901_163889.htm

2 comentários:

  1. Nossa! Quanto medo! O homem deve achar que na cachola dele tem alguma coisa muito feia! Ou no mínimo muito estranha. Se calhar, era só paixão pela mãe...

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  2. Muito bom esta postagem e sem dúvida lerei na íntegra a entrevista, ótimos argumentos a favor da psicanálise.

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