terça-feira, 18 de outubro de 2016

Quarenta dias


Maria Valéria Rezende já havia publicado Vasto mundo, O voo da guará vermelha e Modo de apanhar pássaros à mão. Com Quarenta dias ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de melhor romance de 2015.
            A experiência de vida da autora é extraordinária. Nasceu em Santos, SP, e em 1965 entrou para a Congregação de Nossa Senhora, Cônegas de Santo Agostinho, freira portanto aos 24 anos.
            Sempre envolvida com educação popular e alfabetização, primeiro em São Paulo, depois no Nordeste, exilou-se por conta da ditadura militar. Formou-se em Literatura Francesa pela Universidade de Nancy.
            Quarenta dias é um romance envolvente, intenso, perturbador. Dona de uma linguagem originalíssima, Valéria Rezende descreve as privações de Alice, uma nordestina perdida nas ruas de Porto Alegre, levada à loucura pela busca incessante de um rapaz desaparecido que nem ela conhece. Porém, o que Alice perdera era a ela mesma.
            Vejamos um trecho da escritura de Maria Valéria:

“Entrei neste apartamento – ainda não consigo dizer “em casa”, tento, mas não há jeito – agora há pouco, exausta, carregando um furdunço no peito, sem saber onde despejar esta balbúrdia de imagens, impressões, sentimentos acumulados por quarenta dias, dei com o olho na Barbie e soube logo em quem vou descarregar tudo isso. Por sorte o caderno estava ali mesmo, perto da porta de entrada, na mesinha do telefone onde eu deixei desde que desfiz as malas sem ter o que fazer com ele, nem tranquei a porta, nem fui ao banheiro, nem bebi um copo d’água, muito menos pensei em telefonar a Norinha, a Elizete ou a quem quer que seja, aquela sensação de existir solta, no meio do mundo, sem nenhuma determinação alheia, mas exposta a tudo, uma conquista dura, persistindo como se eu ainda estivesse na rua, peguei o caderno, procurei uma caneta, joguei a bolsa e os sapatos por aí, desabei no sofá branco que eu detesto com você, Barbie, no colo, apoiada numa almofada roxa de babados que eu também detesto, mas Norinha adorou, comprou e até combina com você, “my dear friend”.

Alice, a personagem central do romance, confessa desde o início que escrever tem mesmo uma função terapêutica. E o Louco gostou disso.

            

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