Maria Valéria Rezende já havia publicado Vasto mundo, O voo da guará vermelha e Modo
de apanhar pássaros à mão. Com Quarenta
dias ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de melhor romance de 2015.
A
experiência de vida da autora é extraordinária. Nasceu em Santos, SP, e em 1965
entrou para a Congregação de Nossa Senhora, Cônegas de Santo Agostinho, freira
portanto aos 24 anos.
Sempre
envolvida com educação popular e alfabetização, primeiro em São Paulo, depois
no Nordeste, exilou-se por conta da ditadura militar. Formou-se em Literatura
Francesa pela Universidade de Nancy.
Quarenta dias é um romance envolvente,
intenso, perturbador. Dona de uma linguagem originalíssima, Valéria Rezende
descreve as privações de Alice, uma nordestina perdida nas ruas de Porto
Alegre, levada à loucura pela busca incessante de um rapaz desaparecido que nem
ela conhece. Porém, o que Alice perdera era a ela mesma.
Vejamos
um trecho da escritura de Maria Valéria:
“Entrei
neste apartamento – ainda não consigo dizer “em casa”, tento, mas não há jeito
– agora há pouco, exausta, carregando um furdunço no peito, sem saber onde
despejar esta balbúrdia de imagens, impressões, sentimentos acumulados por
quarenta dias, dei com o olho na Barbie e soube logo em quem vou descarregar
tudo isso. Por sorte o caderno estava ali mesmo, perto da porta de entrada, na
mesinha do telefone onde eu deixei desde que desfiz as malas sem ter o que
fazer com ele, nem tranquei a porta, nem fui ao banheiro, nem bebi um copo
d’água, muito menos pensei em telefonar a Norinha, a Elizete ou a quem quer que
seja, aquela sensação de existir solta, no meio do mundo, sem nenhuma
determinação alheia, mas exposta a tudo, uma conquista dura, persistindo como
se eu ainda estivesse na rua, peguei o caderno, procurei uma caneta, joguei a
bolsa e os sapatos por aí, desabei no sofá branco que eu detesto com você,
Barbie, no colo, apoiada numa almofada roxa de babados que eu também detesto,
mas Norinha adorou, comprou e até combina com você, “my dear friend”.
Alice, a personagem central do romance,
confessa desde o início que escrever tem mesmo uma função terapêutica. E o
Louco gostou disso.
Freirinha arretada! Dá vontade de ler...
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