quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Brasil desencanta



Manchete comum a vários jornais de hoje: BRASIL DESENCANTA!
De fato, o escrete jogou bem, diante de um adversário fraquíssimo, desanimado, sem vontade, confiante no resultado entre os dois outros adversários, cujo empate o classificaria. Não deu outra: Dinamarca classificada, embora perdendo de 4 a 0 para o Brasil.
Como os dois jogos anteriores terminaram em 0 a 0, as manchetes referiram-se ao desencantamento do time brasileiro.
Gosto muito de futebol, porém gosto ainda mais da língua portuguesa. Ao juntar essas duas paixões surge um gosto muito especial, o do jargão futebolístico. Quantas vezes pensei em publicar um dicionário de termos do futebol! Só pelo prazer em colecionar palavras e expressões peculiares, na maioria das vezes sem qualquer sentido ou nexo linguístico.
Um bom exemplo surge quando o jogador, com um leve toque, faz a bola encobrir o adversário, e ela é retomada mais adiante, para delírio da torcida. À esta jogada dá-se o nome de lençol ou chapéu, dependendo da região do país onde foi executada. Tem mais essa: os regionalismos são incontáveis.
Se um jogador mete a bola por um lado do adversário, corre pelo outro lado e apanha a pelota mais adiante, a isso dá-se o fantástico nome de drible da vaca!
Bem, vamos às manchetes de hoje.
O Houaiss registra cinco acepções para o verbete desencantar, não necessariamente nessa ordem:
1 – fazer perder ou perder o encanto, a graça, o charme;
2 – fazer perder ou perder as ilusões, o entusiasmo com relação a (alguém ou algo), desenganar(-se), desiludir (-se), desapontar(-se);
3 – descobrir (coisa rara, difícil de ser encontrada; achar, desentesourar, encontrar;
4 – fazer aparecer ou aparecer (o que está sumido ou em estado latente).
            Nenhuma destas acepções explica as tais manchetes. O encanto, a graça, o charme da seleção já não existem faz muito tempo. E não apareceram neste jogo.
            Vamos então ao significado que se aplica:

5 – livrar (alguém, algo ou a si mesmo) de (encanto, magia); perder efeito (o feitiço); desenfeitiçar (-se).

            Eis aí a solução do mistério! O feitiço foi desfeito. A seleção livrou-se da magia, do maldito encantamento, e venceu de 4 a 0 a Dinamarca. Desencantou, portanto!
            Shakespeare já havia previsto o fenômeno; disse ele, em Hamlet: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Diante da podridão, desfez-se o encantamento!
            Gosto muito de futebol, porém gosto mais ainda da língua portuguesa.



Foto: Eduardo Anizelli / Folhapress.

           
            

2 comentários:

  1. Tudo é material para o Louco elaborar belas crônicas. Detalhes que engulimos sem sentir seu sabor esta página abre, esmiúça e nos faz pensar.

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  2. Que bela crônica! O louco faz uma verdadeira "embaixadinha" com o texto, cada palavra no seu justo lugar, cada frase um "gol de letra".

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