domingo, 31 de julho de 2016
Dor física contínua
A dor física contínua solapa a alma, exige um esforço adicional e constante para se permanecer vivo em equilíbrio.
Iatrogenia da palavra
Definição de Iatrogenia:
trepanação desnecessária
trepanação desnecessária
Com o sugestivo título “Diagnóstico
insensível ou 'na lata' pode atrapalhar tratamento médico”, Cláudia
Collucci (Folha de S. Paulo, 31/07/2016) escreve sobre a possível influência da
fala do médico sobre seu paciente. Logo de cara cita um exemplo que é um soco
no estômago do leitor:
"Aproveita
o teu filho porque você tem pouco tempo de vida." Foi o que disse um
médico à costureira Edilene Bolkart, 36, após informá-la sobre uma metástase
óssea. [...] Vitor, então com nove anos, estava ao lado da mãe quando ouviu a
sentença médica. "Fiquei muito mal, mais por ele ter falado na frente do
Vitor. Meu filho reagiu e disse: 'Deus não vai deixar acontecer nada com você,
mamãe', lembra, emocionada.”
E Collucci conclui: “Não são apenas remédios
e procedimentos médicos que podem fazer mal ao paciente e trazer complicações
jurídicas a profissionais de saúde. As palavras também têm potencial de causar
danos.”
O Louco assina em baixo.
A expressão é nova, para descrever um fato
antigo, que se repete ao longo do tempo: iatrogenia
da palavra!
Ou seja, não são apenas os efeitos
colaterais e as interações medicamentosas que podem causar danos ao paciente; a
palavra mal colocada também pode ser danosa.
Outro
exemplo de uma “fala médica iatrogênica” citada no artigo ainda é mais
chocante: Mulher, 30 anos, recém-casada e com um bebê de colo, teve diagnóstico
de um tumor cerebral e, durante uma consulta, o marido perguntou ao
neurologista o que poderia esperar pela frente. "A morte", foi a
resposta do médico.”
Para o
geriatra Paulo Canineu, professor de gerontologia da PUC-SP, “esses conflitos
na comunicação entre médico e paciente ocorrem, em geral, por falta de educação
do profissional de saúde. É coisa que se aprende (ou não) lá atrás, com os
pais.” Segundo Canineu, o diagnóstico da doença de Alzheimer é um outro momento
passível de atritos. Para que haja aderência ao tratamento, como atividades
físicas, cognitivas e sociais, é preciso a motivação do paciente e da família. “Um
diagnóstico na lata pode prejudicar essa adesão”, afirma o geriatra.
O caso mais dramático é de um
infectologista que recebeu um paciente de 15 anos encaminhado por um colega. “Ele
havia tido acesso ao histórico clínico do garoto, mas não sabia que a família
desconhecia que o filho tinha HIV. O médico já começou a consulta mencionando o
fato, na frente do adolescente, o que causou um desespero geral. No dia
seguinte, o menino cometeu o suicídio.”
Este blog tem publicado insistentemente sobre relação médico-paciente. O tema é sempre atual. Assim, passo a relatar experiência pessoal,
com o cuidado de, antes de mais nada, livrar o colega que me atendeu de qualquer
má intenção, desleixo para comigo ou negligência. Ao contrário, trata-se de
profissional competentíssimo, dedicado, sensível, e mais, um amigo. Em meio à
consulta, conversávamos sobre generalidades em Medicina – conversa entre dois
médicos –, sobre o momento atual da profissão (ele é cardiologista) e suas
dificuldades, e foi aí que o colega saiu-se com a pérola:
– Hoje ninguém mais morre de câncer ou
de infarto; todos morrem dementes.
Ele sabia que eu sou portador de um
câncer e que havia tido um infarto há pouco tempo. Então, só me restava a
demência.
O pavor de demência há de me acompanhar
até meus últimos dias. Profissão difícil, esta, a do médico, humano que é, demasiado humano.
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Alinhamento de planetas
A foto do dia
Alinhamento de 5 planetas
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/observatorio/post/fila-de planetas.html
terça-feira, 26 de julho de 2016
Sócrates e a capacidade de pensar
Extraído de “Trópicos utópicos”, de Eduardo Giannetti
(1):
“A
expressão de alívio de Sócrates – “Quantas
coisas no mundo das quais não preciso!” – ao retornar de um passeio pelo
mercado de Atenas.”
Alívio
mesmo sentiria Sócrates ao sair de uma visita a um de nossos shoppings modernos, sempre abarrotados
de bugigangas, com suas vitrines reluzentes, liquidações irresistíveis, a virar
a cabeça dos consumidores, tornando-os compradores compulsivos que abandonam a
própria capacidade de pensar.
Talvez
seja esta a diferença fundamental entre Sócrates e o consumidor compulsivo: a
capacidade de pensar.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
Parabéns a Leandro Karnal ou A vida de cronista
O homem, que se apresenta
como historiador, é convidado a escrever crônica domingueira em O Estado de S.
Paulo. Ele já é figura bem conhecida de um certo público que assiste suas
conferências pela televisão e Internet, esteve no Roda Viva, porém escrever
semanalmente no Estadão é outra coisa!
Pois não é que Leandro Karnal, ao escolher o tema para
sua primeira crônica, publicada ontem (24/7/2016), teve a coragem de confessar
sua vaidade e seu medo diante de tremendo desafio. Assim inicia a crônica, cujo
título é “Sobre a vaidade”:
“A vaidade é conselheira astuta. Seduz. Instiga.
Ser colunista de um dos maiores jornais do país? Estar toda semana nas páginas
do Estadão? Fazer parte de uma instituição que remonta a 1875? Claro! Você
merece, Leandro. You’re the guy! O orgulho não precisa de esforço imenso: ele
prega sobre o valor das bananas para macacos famintos. O sim interno foi
imediato. Enfim, meu narciso se entregava, tépido, ao deleite das palavras:
Colunista do Estadão.”
E Karnal conclui de maneira magistral, diante do grande
desafio, sabedor de suas responsabilidades:
“Minha felicidade nunca esteve nas ondas rasas.
Sempre aceitei o jogo ambíguo do risco e do desafio. Um bom domingo a todos
vocês!”
Pois não é esta a essência mesma da crônica, tratar de
algo bem atual? Mais atual do que vai pela alma do escritor em dado momento,
impossível! Os sentimentos e emoções à flor da pele daquele que escreve:
vaidade, medo, orgulho, o peso da responsabilidade, a opinião alheia, angústia,
pavor.
Às tantas o agora cronista faz referência à obrigação
semanal. Penso que este seja o maior obstáculo para quem escreve: a obrigação de escrever. Porque de vez em
quando o escritor não sente vontade de escrever. Ele não tem controle sobre
isso, sobre o desejo de escrever, sobre o quê escrever ou não escrever, sobre
um certo vazio que vez por outra lhe assalta o espírito, a ausência absoluta de
ideias. Então, como escrever?
Karnal sabe
disso e confessa: “Lembra-te de que és apenas um homem”. Que bom ter a
consciência desta humana falibilidade! Fica mais fácil controlar o Narciso que
reside em todos nós. Então o cronista pode escrever para o leitor e não apenas
para si próprio.
Porém, Karnal é obrigado a fazê-lo, semanalmente, reza o contrato, o que está bem próximo
da tortura mental. Isso explica o fato de que até o grande Veríssimo, o maior
cronista do país, vez em quando erra na mão, enche o texto de abobrinhas e
borrachas, humano que é.
Nesta primeira crônica Karnal escreve com esmero de
conteúdo e forma; a continuar assim, haverá de acrescentar um prazer a mais às
nossas manhãs de domingo, ao lado de Veríssimo e Hélio Schwartsman (na Folha de
S. Paulo).
Porém, convenhamos, vida de cronista não é fácil: a obrigação
de escrever é quase desumana.
sábado, 23 de julho de 2016
Amarga vingança
O patrão recusou o aumento. Como vingança, ela deixou de tomar o vinho servido no almoço.
natureza amoral
poda radical
a natureza amoral
flor como resposta
Responde Paulo Sergio, com sua quadra de sempre:
Quanto mais se poda a planta,
mais a planta refloresce;
sofrimento que decanta
é vida nova que cresce.
é vida nova que cresce.
Foto: A.Vianna, jul 2016, jardim.
sexta-feira, 22 de julho de 2016
Giannetti fundamental
Eduardo Giannetti acaba de
publicar “Trópicos utópicos – uma
perspectiva brasileira da crise civilizatória”, livro que podemos chamar de
fundamental. Sei que o ano ainda não acabou, mas provavelmente será o livro
mais importante do ano!
A edição da Companhia das Letras (2016) é bem cuidada,
capa dura de muito bom gosto, cabeceado, etc.
Segundo o autor, o objetivo da obra é “analisar os elos
que nos ligam ao mundo e distinguir os traços que nos definem como nação, mas a
partir de um olhar utópico e prospectivo.”
Logo na
primeira seção do livro Giannetti delineia o plano da obra:
“A tríplice
ilusão. – O tempo decanta o passado. O que hoje está presente, ontem mal se
antevia. O mundo moderno nasceu e evoluiu embalado por três ilusões poderosas:
a de que o pensamento científico permitiria gradualmente banir o mistério do
mundo e assim elucidar a condição humana e o sentido da vida; a de que o
projeto de explorar e submeter a natureza ao controle da tecnologia poderia
prosseguir indefinidamente sem atiçar o seu contrário – a ameaça de um terrível
descontrole das bases naturais da vida; e a de que o avanço do processo
civilizatório promoveria o aprimoramento ético e intelectual da humanidade,
tornando nossas vidas mais felizes, plenas e dignas de serem vividas.”
O que o autor chamou de microensaios, às vezes resumem-se
a três ou quatro linhas:
“Perante o
leitor. – A palavra incita: decodifique-me;
a frase pleiteia: creia-me; o
parágrafo cobra: interprete-me; o
livro roga: leia-me. O autor semeia,
a leitura insemina.”
Outro exemplo, tema insistentemente tratado neste blog:
“Anatomia do
impasse. – A impossibilidade intelectual de crer não suprime a necessidade
emotivo-existencial da crença.”
Este último aforismo dá o que pensar: ensina que a
tolerância pode começar a partir de nós mesmos, no que se refere às nossas
próprias convicções. Não nos peçam coerência o tempo todo.
Outras vezes o ensaio chega na forma de uma parábola:
“Falácia da
indução. – O granjeiro por meses a fio veio pontualmente dar de comer à
galinha, um belo dia torceu-lhe o pescoço.”
Ou se apresenta como se fosse uma piada:
“Pingue-pongue.
– Quando Mahatma Gandhi desembarcou no porto de Southampton, no sul da
Inglaterra, em 1931, a fim de participar de uma conferência sobre o futuro da
Índia, um jornalista teria perguntado a ele: “O que o senhor acha da civilização
ocidental?” E o líder indiano respondeu: “Acho que seria uma boa ideia.”
A par do
brilhante conteúdo histórico, político, filosófico do livro, sua forma é
impecável, literatura da melhor qualidade – ou não seria um livro fundamental.
Indispensável
a leitura de Trópicos Utópicos nesse nosso mundo conturbado de hoje.
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