sexta-feira, 22 de julho de 2016

Giannetti fundamental



            Eduardo Giannetti acaba de publicar “Trópicos utópicos – uma perspectiva brasileira da crise civilizatória”, livro que podemos chamar de fundamental. Sei que o ano ainda não acabou, mas provavelmente será o livro mais importante do ano!
            A edição da Companhia das Letras (2016) é bem cuidada, capa dura de muito bom gosto, cabeceado, etc.
            Segundo o autor, o objetivo da obra é “analisar os elos que nos ligam ao mundo e distinguir os traços que nos definem como nação, mas a partir de um olhar utópico e prospectivo.”
Logo na primeira seção do livro Giannetti delineia o plano da obra:

A tríplice ilusão. – O tempo decanta o passado. O que hoje está presente, ontem mal se antevia. O mundo moderno nasceu e evoluiu embalado por três ilusões poderosas: a de que o pensamento científico permitiria gradualmente banir o mistério do mundo e assim elucidar a condição humana e o sentido da vida; a de que o projeto de explorar e submeter a natureza ao controle da tecnologia poderia prosseguir indefinidamente sem atiçar o seu contrário – a ameaça de um terrível descontrole das bases naturais da vida; e a de que o avanço do processo civilizatório promoveria o aprimoramento ético e intelectual da humanidade, tornando nossas vidas mais felizes, plenas e dignas de serem vividas.”

            O que o autor chamou de microensaios, às vezes resumem-se a três ou quatro linhas:

Perante o leitor. – A palavra incita: decodifique-me; a frase pleiteia: creia-me; o parágrafo cobra: interprete-me; o livro roga: leia-me. O autor semeia, a leitura insemina.”

            Outro exemplo, tema insistentemente tratado neste blog:

Anatomia do impasse. – A impossibilidade intelectual de crer não suprime a necessidade emotivo-existencial da crença.”

            Este último aforismo dá o que pensar: ensina que a tolerância pode começar a partir de nós mesmos, no que se refere às nossas próprias convicções. Não nos peçam coerência o tempo todo.
            Outras vezes o ensaio chega na forma de uma parábola:

Falácia da indução. – O granjeiro por meses a fio veio pontualmente dar de comer à galinha, um belo dia torceu-lhe o pescoço.”

            Ou se apresenta como se fosse uma piada:

Pingue-pongue. – Quando Mahatma Gandhi desembarcou no porto de Southampton, no sul da Inglaterra, em 1931, a fim de participar de uma conferência sobre o futuro da Índia, um jornalista teria perguntado a ele: “O que o senhor acha da civilização ocidental?” E o líder indiano respondeu: “Acho que seria uma boa ideia.”


A par do brilhante conteúdo histórico, político, filosófico do livro, sua forma é impecável, literatura da melhor qualidade – ou não seria um livro fundamental.
Indispensável a leitura de Trópicos Utópicos nesse nosso mundo conturbado de hoje.

Um comentário:

  1. Estou lendo! E digo: o homem pensa com perspicácia e escreve com apuro. Permita o louco a minha citacão:
    "(...) a crenca de que a a morte é o "nada definitivo" não é menos dogmática que a tese do pré-socrático Heráclito segundo o qual "existem coisas que aguardam os homens após a morte as quais eles não esperam e das quais não possuem nocão alguma".

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