quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Descaso com a dor


Auto-retrato de Frida Kahlo

            O que desde logo chama a atenção do leitor no tema em questão é que os profissionais de saúde mal tocam no assunto, e que é preciso que um leigo como Hélio Schwartsman denuncie o escândalo, sob o título Apartheid da dor, em seu artigo de hoje na Folha de S. Paulo (16/9).
            Schwartsman cita a médica Ana Claudia Arantes, que afirma: “a média mundial de consumo de morfina é de 6,5 mg por habitante por ano e que, no Brasil, esse número é de apenas 1,5 mg. Na Áustria, campeã mundial de uso lícito do opioide, a cifra vai a 100 mg. A menos que imaginemos que os brasileiros sejam 67 vezes mais resistentes à dor do que os austríacos ou que os médicos do país alpino prescrevam drogas perigosamente perto da irresponsabilidade, é quase forçoso concluir que o brasileiro está sofrendo desnecessariamente.”
E o articulista da Folha complementa: “Nosso problema é uma combinação de má formação dos médicos – que estudam superficialmente analgesia e cuidados paliativos – com burocracia paranoica, que acha mais importante evitar que viciados consigam drogas do que assegurar que pacientes legítimos não sintam dor.”
            Penso que este parágrafo é antológico; só mesmo um intelectual do porte do Hélio Schwartsman é capaz de formulá-lo tão bem!
            Nos meus 40 anos trabalhando como cirurgião geral, foram inúmeras as vezes em que me deparei com pacientes submetidos a operações de grande porte, como gastrectomias (retirada do estômago), recebendo doses mínimas de Novalgina de 6 em 6 horas no pós-operatório imediato. Trata-se de um tipo sofisticado de tortura, difícil de explicar.
            Absurdo de igual quilate ocorre com pacientes terminais que se queixam de variados tipos de dor e são privados por seus próprios médicos de receberem morfina, hoje disponível para administração oral, pelo “risco de se tornarem viciados”. Entre a improvável dependência, pois na maioria das vezes não haverá tempo para isso, e a dor contínua, insuportável, desumana, dá-se preferência a esta última.
Sem dúvida, uma falha na educação médica.
           




2 comentários:

  1. Quantas conversas e casos pessoais sobre o tema.... O medo, ignorância,descaso médico permite a bem nominada tortura sofisticada e ainda se ouve : "é assim, não posso fazer mais nada!"

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