quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Ainda estou aqui



Os idiotas, felizmente uma minoria, que ainda uivam clamando pelo retorno dos militares ao poder, diante da crise que vivemos, deveriam ler o novo livro de Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui (Alfaguara, 2015).
            Nesse grupo de idiotas, aqueles que conhecem a história do pai do autor, Rubens Paiva, talvez não tolerem a leitura e não comprem o livro, pois o tema lhes é vedado pela própria consciência. Os idiotas que não conhecem a história de Rubens Paiva, caso leiam o livro, ficarão surpresos com uma outra história, a da mulher do ex-deputado, mãe do autor, Eunice Paiva. Que mulher!
            Referindo-se à mãe, Marcelo afirma:

“Em 1985, ela disse numa palestra que ouviu de tudo, muitas versões e mentiras, mas que a única coisa que tinha certeza era de que Rubens estava morto, mas uma morte não oficial. Dizia sempre:
– A tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia. Mata-se a vítima e condena-se toda a família a uma tortura psicológica eterna. Fazemos cara de fortes, dizemos que a vida continua, mas não podemos deixar de conviver com esse sentimento de injustiça.”

            O livro trata, portanto, da saga dessa família, os Paiva, acrescida de terrível infortúnio: Eunice foi acometida pela Doença de Alzheimer.
            A escrita não é refinada, mas é ágil, agradável, prende o leitor, traz o estilo do Marcelo, autor do consagrado Feliz Ano Velho. Às vezes a escrita precisa ser mesmo bruta, um verdadeiro urro:

“Naquela tarde que pegamos o atestado de óbito, em 1996, vi minha mãe então chorar como nunca fizera antes. Era um urro. Não tinha lágrimas. Como se um monstro invisível saísse da sua boca: uma alma. Um urro grave, longo, ininterrupto. Como se há muito ela quisesse expelir. Pela primeira vez, me deixou falar, sem me interromper. Pela primeira vez, na minha frente, chorou tudo o que havia segurado, tudo o que reprimiu, tudo o que quis. Foi um choro de vinte e cinco anos em minutos. O rompimento de uma represa.”

            A conclusão do livro traz uma grande lição de vida. Escreve Marcelo:

“Minha mãe, aos oitenta e cinco anos, não entrou no Estágio IV, o pior de todos. Sua vida tem muitos atos. Teremos mais um. Enquanto a morte do meu pai não tem fim.”

            Não apenas os idiotas a que fiz referência no início desta crônica precisam ler o livro do Marcelo Rubens Paiva. Todos devemos lê-lo, para conhecer (ou relembrar) um pouco melhor os horrores do regime militar.

            Ditadura, nunca mais!

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