segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Arvo Pärt, na hora da morte

             




            Aprendi a ouvir música erudita com minha mãe. (Não faço ideia com quem ela aprendeu, se é que aprendeu com alguém.) Aprender talvez não seja a palavra mais apropriada; quero dizer apenas gostar.
            Mas havia com frequência uma nota triste nas observações dela sobre determinadas peças, o que impressionava demais o menino pequeno, que o fazia pensar, a meio caminho entre o entendimento e o puro sentir. Dizia minha mãe, Quando eu estiver morrendo peço que coloquem esta música, que assim morro mais depressa.
Para o menino, se por um lado havia o alívio do sofrimento – o morrer mais depressa –, havia também a ameaça da perda da mãe, embora ela estivesse perfeitamente saudável naquele momento. Enfim, um conflito.
Uma dessas músicas era o terceiro movimento da Sinfonia n0. 3 de Brahms. (Caso o leitor queira ouvi-la: https://www.youtube.com/watch?v=1trE3ms3AGo )
            Havia outras, sempre de autoria dos clássicos, Beethoven o predileto. Villa-Lobos era muito barulhento; Stravinsky, nem pensar. Quanto mais bela, tocante, sublime a música, lá estava o bordão, Quando eu estiver morrendo...
Peter C. Bouteneff, Professor de Teologia Sistemática na Inglaterra, onde oferece cursos de teologia antiga e moderna, assina o artigo de capa da revista music, da BBC, especializada em musica erudita. Na capa do último número, Arvo Pärt, o compositor erudito mais tocado atualmente, segundo o próprio Bouteneff!
Assim Bouteneff inicia seu artigo (em tradução livre):

“Arvo Pärt é um compositor cuja música transcende qualquer classificação e seus próprios ouvintes. Ele não é uma unanimidade; alguns mostram frieza diante de sua música ou revelam irritação por não compreendê-la. Porém seus admiradores tendem a ser ardentes, zelosos em sua devoção. Eles vão a Pärt para pensar – ou não pensar. Eles o ouvem para criar sua própria arte ou comungar com Deus. Pessoas portadoras de doenças terminais – são incontáveis os testemunhos – ouvem sua música à medida que se aproximam da hora da morte, encontrando uma voz que os compreenda, uma companhia confiável para sua jornada.”

            Ao ler este texto, não pude deixar de me lembrar de minha mãe! Hoje, na velhice, posso compreendê-la por completo. Morrer em paz talvez seja um desejo universal. Se a música puder ajudar...

De profundis, do estoniano Arvo Pärt:




2 comentários:

  1. Uma prece, verdadeira prece! Cabe, portanto, para a hora da morte.

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  2. Belo post, André!
    Quanto aos links para o YouTube, não sei se gostei mais da peça de Pärt ou da extraordinária interpretação do 3º movimento da 3a de Brahms, sob regência de Wilhelm Furtwängler.
    Melhor ainda: fico com as duas!

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