Um filme é apenas um filme, dirá o
leitor, porém cada expectador vê o filme – mais precisamente uma determinada
cena – que lhe interessa, ou que pode ser visto por ele.
Há uma cena do filme Sniper americano, dirigido pelo grande Clint Eastwood, campeão de bilheteria
nos EEUU, que da o que pensar. Logo no início do filme o pai sai com o filho
pequeno, para ensiná-lo a caçar. De repente, o aprendiz, com um tiro certeiro,
atinge a presa mortalmente, até com certa facilidade. Ao que o pai acrescenta,
passando-lhe a mão sobre a cabeça:
–
Você tem o dom!
Fico
pensando na possível repercussão que uma fala como esta há de ter sobre a mente
de um menino, diante de seu pai-herói. Dom para que? Para matar? Para ser um
caçador? Que tipo de caçador? Caçar o quê ou quem?
No
filme, o filho depois de adulto não se encontra na vida, a não ser após
alistar-se na tropa especial que irá combater na guerra do Iraque, exatamente
na função de um atirador de elite, um verdadeiro caçador. O desafio maior se
estabelece a partir do fato de que também há um franco-atirador iraquiano, que
precisa ser eliminado a qualquer custo.
Na
vida real, a mente destes snipers
parece ser gravemente afetada pelos traumas acarretados por uma atividade
violenta, destrutiva, solitária, desumana. Portanto, não se trata de um dom que
deva ser estimulado.
E haverá dons que devam ser
estimulados?
Talvez os artísticos.
Talvez os artísticos.
Até
que ponto a decisão de tornar-me um cirurgião (antes de optar pela
Psicanálise), foi influenciada pelos constantes comentários de minha mãe, sobre
minha capacidade para consertar aparelhos elétricos danificados, limpar e
lubrificar a máquina de costura, manusear determinados brinquedos, enaltecendo
sempre uma habilidade manual da qual eu nem suspeitava? Parece que a ouço
dizer:
–
Você tem o dom...
O
tema “como educar os filhos” tem ocupado espaço neste blog já faz algum tempo.
Parece-me inesgotável, especialmente quando dirijo meu olhar para minha própria
vida. Há quem dê a este exercício o nome de autoanálise. Nessa altura de vida,
nem sei se isso faz algum sentido. Talvez o faça, até a hora da morte.
Ah!, a Metafísica, diria
Fernando Pessoa...
Mesmo que não verbalizem, os pais tem o ´dom´ de influenciar os filhos - para o bem e para o mal. E mal tomam consciência de seu extraordinário poder - do contrário, tomariam mais cuidado.
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