segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Mais realista do que o rei


A manchete do jornal traduz bem a atitude escandalosa: “Médico chama a polícia após atender jovem que fez aborto” (Folha de S. Paulo, 21/2/2015).
O doutor Mahmud Daoud Mourad de início recusou o atendimento. Em seguida, concordou em atender a jovem de 19 anos que apresentava hemorragia pós-aborto, para logo depois denunciá-la à polícia. Ao receber alta, a paciente foi conduzida à prisão.
O doutor justificou sua atitude, informando ter sido “obrigado por lei” a fazê-lo.
Vamos tentar compreender o possível raciocínio do médico. No Brasil, o aborto constitui crime, exceto nos casos previstos por lei. Assim sendo, aquela mulher que praticar o aborto é criminosa. E lugar de criminoso é na cadeia. Simples assim.
A isso chamo de pensamento religioso. Nada contra religiões ou religiosos com capacidade de pensar. O doutor pertence ao grupo (que não é pequeno) dos que não pensam, apenas “são obrigados” a seguir a lei (tanto das homens, quanto de um deus).
Antes de tudo, o doutor é incapaz de levar em consideração as circunstâncias, tendo ignorado (se é que soube algum dia) até mesmo sua condição de médico, obrigado pelo Código de Ética Médica a manter o sigilo profissional. Levar em conta a condição humana, nem pensar.
Talvez seja este o indivíduo mais perigoso à sociedade, aquele que obedece cegamente, e portanto, é capaz de praticar os crimes mais hediondos em nome de uma autoridade superior, de um ditador sanguinário, ou até mesmo de um deus. Pior, seguro de que está fazendo a coisa certa.
Não posso evitar de considerar que a religião torna-se terreno fértil para que floresçam os “ideais” deste tipo de gente, ao pregar o dogma, que estimula o não-pensar. As guerras no Oriente Médio, em parte, parecem comprovar tais ideias.



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