Baseado em fatos reais.
Homem, 32, desempregado, joga videogame
numa lan house, sem parar nem para
comer. Após 3 dias é encontrado morto, debruçado sobre o teclado.
Com o microconto acima, o
Loucoporcachorros chega à histórica marca de 200 microcontos publicados. O mote
é oportuno, sugere que não se deve passar muitas horas em frente ao computador,
isso pode ser mortal. Daí a relevância do microconto: rápido, rasteiro, no
canto em que o goleiro não está!
Afinal, o que é um
microconto? Alguns o chamam de miniconto, ou até de nanoconto; não há
uniformidade de regras, a não ser aquela imposta pelo Twitter, que o limita a
140 toques. Quando surgem concursos de melhores microcontos, os organizadores
estabelecem as regras, limitando o número de toques, letras ou palavras. (O
Loucoporcachorros segue a regra do Twitter.) O que não faz diferença alguma, pois os
teóricos (ainda) não o reconhecem como gênero literário. O Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, nem mesmo
registra o vocábulo microconto.
Os aficionados não cansam
de enaltecer o que chamam de o mais famoso microconto do mundo, de autoria de Augusto
Monterroso:
“Quando acordou, o dinossauro ainda
estava lá.”
Parece
que Marcelino Freire concorda com isso, pois deu-lhe destaque em Os cem menores contos brasileiros do século
(Ateliê Editorial, 2004), embora Monterroso tenha nascido em Honduras e vivido
no México.
Tão
surpreendente quanto este “dinossauro”, ou ainda melhor, é o microconto de
Manoel de Barros; reconheço que sou o primeiro e único a classificá-lo como
tal, pois faz parte de livro de poemas (Poesia completa, Leya, 2010, p. 222), e
não de contos:
“Ovo de lobisomem não tem gema.”
Através
destes dois exemplos – ainda em busca de uma definição –, podemos concluir que
o microconto, muito mais que contar uma história, ele sugere uma história, e
deixa que o leitor a complete.
Franz Kafka escreveu em seu diário, em 6 de dezembro de 1922, o microconto perfeito, a ilustrar tudo o que foi pensado até agora:
Franz Kafka escreveu em seu diário, em 6 de dezembro de 1922, o microconto perfeito, a ilustrar tudo o que foi pensado até agora:
"Duas crianças, sozinhas no apartamento,
entraram numa grande mala,
a tampa fechou-se, não a conseguiram abrir
e morreram asfixiadas."
O
Loucoporcachorros inaugurou, tempos atrás, o microconto Baseado em fatos reais. Ao tomar conhecimento das notícias do
cotidiano, percebi que muitas vezes não há diferença entre ficção e realidade.
Publico o microconto e deixo para o leitor a decisão de acreditar ou não na
realidade: Ah!, isso é conversa fiada, dirão alguns. Eis um bom exemplo de
história baseada em fatos reais:
“Agora estou tranquilo, afirmou o
assassino, preso após decapitar 6 pessoas.”
Outro
exemplo:
“Presidiário é escoltado até a delegacia
mais próxima para registrar queixa
de roubo de celular ocorrido em sua
própria cela.”
Mais
uma definição de microconto: a arte de cortar palavras. O exercício propicia o
desenvolvimento da concisão. Nossos políticos bem que poderiam cultivá-lo, como
antídoto para a prolixidade que os caracteriza. Filósofos e psicanalistas
lacanianos também.
O
Loucoporcachorros publica hoje seu ducentésimo microconto, certo de que o
formato se presta como uma luva à ligeireza da Internet, mais precisamente aos
blogs. Mesmo sem o reconhecimento da Academia, acredito que o microconto já
pode ser considerado um gênero literário. (Alô! mestrandos e doutorandos, eis
um tema para uma boa tese...)
Ítalo
Moriconi, organizador de Os cem melhores
contos brasileiros do século (Objetiva), à guisa de prefácio ao livrinho de
microcontos organizado por Marcelino Freire, escreveu:
“É no lance do estalo que a cena toda se
cria.
Na narrativa e na poesia.
Alguém já disse, poesia é uma frase
Ou duas e uma paisagem inteira por trás.”
São palavras que se ajustam
perfeitamente à elaboração do microconto.
Duzentos! Não é pouco feito! Merece um volume em papel, capa dura e uma fotografia na capa que ilustre a grandeza dos pequenos. O prefácio pode ser este interessantíssimo texto de hoje.
ResponderExcluirNo último congresso panamericano de Esperanto que aconteceu em São Paulo, houve um festival de curtas que tinha filmes de 5 minutos, de 1 minuto e até de 10 segundos. Foi um sucesso: quanto mais curto, mais impressionante.
Não se trata de pressa, mas de densidade.
Muito bom!
Certamente não teria chegado a esta marca sem seu precioso estímulo, Paulo. Obrigado!
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