sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

De onde vêm as ideias




Ao meu irmão Paulo Sergio


            Meu irmão, fidelíssimo leitor do “Louco”, pergunta sempre, De onde saem estas ideias? Nem sempre tenho a resposta.
            Agora encontro no Essa música, livro de poemas do grande Ivan Junqueira (1934-2014) que acaba de ser lançado pela Rocco (2014), uma possível resposta, lindamente oferecida ao leitor de forma poética.

                                    O poema

Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele  é que se escreve e que se pensa,
como um polvo a distender-se, lento,
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.

Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo que aos poucos se relembra:
um rosto, a paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã adentro.

Ele se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, estrito, minudente,
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.

As palavras com que em vão o invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele é que cabe todo o engenho,

não a mim, que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir-se escrevendo.

                                    Ivan Junqueira

Um comentário:

  1. É uma belíssima explicação, principalmente porque não explica, contenta-se com ser bela. É por isso que eu gosto do louco.

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