quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Português de ontem e de hoje


Afirma Ruy Castro em sua crônica de hoje na Folha, Intimidade essencial, que “60,1% dos alunos de português da 5ª série da rede pública estão abaixo do nível de rendimento que se considera minimamente adequado. Aos 10 anos de idade, são incapazes de identificar o personagem principal de uma narrativa simples ou reconhecer o assunto de uma reportagem. E, aos 14 anos, 76,4% dos alunos da 9ª série não conseguem interpretar certas expressões ou analisar o que um cronista quis dizer com seu texto”.
            Todos os dias lemos nos jornais estas estatísticas macabras sobre o estado da educação no Brasil, todas elas apontando para um beco sem saída. Porém, Ruy Castro chama nossa atenção para um outro fato, pertencente ao passado, com o qual concordo plenamente, porque também fui vítima (ou beneficiário) dele:

“Minha geração sofreu com o gramatiquês obsessivo de muitos professores de português, mais preocupados com a "pureza" da língua do que com a discussão sobre os escritores que realmente diziam coisas. À falta desse estímulo, os próprios garotos se encarregavam – uns torciam por Jorge Amado, outros, por Graciliano Ramos; eu lia Nelson Rodrigues e achava muito melhor.”

            No ginásio e científico – estas as denominações da época – tive um excelente professor de português, Afonso o seu nome, conhecido como Seu Afonso, que marcou definitivamente minha adolescência e a de meu irmão Paulo (hoje um grande poeta). Acabei tornando-me professor universitário, também por influência dele.
            Éramos obrigados a decorar um poema toda semana, e ler um livro por mês; mas as escolhas necessitavam do aval do professor, sempre fiel aos clássicos. Nelson Rodrigues, por exemplo, era proibido, Isso é subliteratura!, exclamava feroz, Seu Afonso.
            O importante é que tomamos gosto pela leitura, e anos mais tarde pude devorar Nelson Rodrigues, fazendo meu próprio julgamento sobre o valor de sua literatura. O mesmo ocorreu com Jorge Amado e outros autores menos clássicos. (O que diria Seu Afonso, já falecido, da literatura brasileira contemporânea? Marcelo Mirisola, jamais!)
            O que Ruy Castro chamou de “gramatiquês obsessivo” também era uma das características de Seu Afonso. Lembro-me de um exemplo bem mundano enfatizado por ele, Digam uma colher das de sopa, e não uma colher de sopa! Fã dos programas de culinária da tv, nunca mais ouvi alguém referir-se a uma colher das de sopa.
            Pois até mesmo aquela obsessão, aquele rigor excessivo com os aspectos gramaticais da língua, não foram em vão, penso eu. Esforço-me até hoje, um amador que sou – simples escrevinhador –, por fazer jus ao Mestre.




2 comentários:

  1. Isso mesmo! Saudade do Seu Afonso, um dos intelectuais mais autênticos que conheci. Mesmo com seu radicalismo purista e disciplina férrea...

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  2. Crianças e adolescentes precisam de disciplina.

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