segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Viva o cinema argentino



             Tanto mais o país afunda, torturado por questões políticas e econômicas insolúveis, mais espetacular torna-se o cinema argentino. (Será isso uma lei geral, passível de ser aplicada a outras culturas que padeçam das mesmas circunstâncias? Alguma relação com o Brasil do tempo da ditadura? Bem, os tempos são outros e o cinema nacional não deslancha.)
            Vamos ao tema central da crônica: o magnífico Relatos selvagens, do diretor argentino Damián Szifron, filme que representará o cinema portenho no Oscar de 2015.
            O leitor não se preocupe, não vou contar o enredo (o que invariavelmente acontece nas sessões de análise: o paciente não quer saber se o analista já viu ou ainda verá determinado filme: ele chega e conta! É uma necessidade.)
           A esta altura dos acontecimentos, até quem não viu o filme sabe que ele é composto de seis histórias curtas, tramas que são levadas a situações-limite, com desfechos imprevisíveis. Alguma forma de violência está sempre presente, sem dispensar a dose certa de humor. A vida como ela é, diria o nosso Nelson.
            Uma das historietas baseia-se num fato corriqueiro, banal, cotidiano, prosaico mesmo: uma desavença no trânsito, o que pode acontecer – se já não terá acontecido! – com qualquer um de nós que dirigimos nossos automóveis por este mundo afora. O carro da frente, trafegando na pista errada, atrapalha a passagem; aquele que chega deseja fazer a ultrapassagem imediatamente; o que vai à frente não permite; o de trás bate os faróis buzina liga o farol alto buzina novamente até que consegue a ultrapassagem. (A situação não há de ser estranha à maioria dos leitores...)
            Quando se dá a ultrapassagem, os dois carros emparelhados, aquele que passa baixa o vidro, xinga o motorista palerma – lesma filho-da-puta –, e completa a cena com um gesto obsceno. E passa.
            É aí que tem início o inferno, propiciado por outro fato corriqueiro, banal, cotidiano, prosaico: um pneu furado! (Quem assistiu o filme há de pensar duas vezes antes de afrontar algum barbeiro no trânsito...)
           Onde a ficção, onde a realidade? Se os fatos apresentados nos Relatos pertencem ao nosso cotidiano, a arte fica por conta de como eles são retratados. Além de contar com grandes atores, incluindo o indefectível Ricardo Darin, o filme tem excelente roteiro, ótima fotografia, som perfeito, deliciosa trilha sonora, além da força das imagens, naturalmente.
            Não faço votos que a Argentina continue afundando (exceção feita ao futebol, é claro...), não sou desses que nutrem ódio mortal aos hermanos, mas sim que o cinema portenho continue brilhando, para alegria – e inveja – dos brasileiros.
             

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