segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O passeio e o passeante




“É pena que não haja em Português uma palavra que equivalha, com a leveza que a caracteriza, à francesa “flaneur”: o que passeia, sem rumo, vadio. É pena, mas se estamos constrangidos de empregá-la  por demasiado requintada para nossos propósitos – acaso pedante – nada nos impede de nos apropriarmos de seu espírito. É ele que nos impele ao passeio, levados por pés de sossego, pernas de lentos passos, olhos acesos, atentos. Com tal espírito, dispensamos a finura francesa e acatamos nossa modesta simplicidade vernácula, que nada deixa a desejar em apuro de significado: doravante, chamaremos ao ignoto e misterioso personagem o “Passeante”.

            Assim tem início  O Passeio – um giro pelas esculturas de Lorena, de Paulo Sergio Viana, editado pelo Instituto Santa Teresa (2014). Aos menos avisados, Lorena localiza-se no Vale do Paraíba, a meio caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo.
            A pequena amostra que aqui transcrevo demonstra bem que se trata de prosa poética da melhor qualidade. Cada crônica – são quatorze ao todo – é acompanhada de uma fotografia alusiva à escultura em questão, apreciada pelo “Passeante” com extrema sensibilidade.
            Ao lê-lo, lembrei-me da epígrafe do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago:

             “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” (Livro dos conselhos)

            Paulo repara: num livro que lê, na música que ouve, num quadro, numa escultura, e, mais que tudo – característica raríssima –, repara no outro. Por isso exerce a Medicina com a mesma sensibilidade, daquele que olha, vê e repara. (Não sei se é necessário alertar o leitor, mas quando se trata da Medicina, “reparar” pode ter o sentido de curar...)
            Findo o passeio e o livro, o Passeante volta para casa:

“Recosta-se numa poltrona, ouve o silêncio discreto das paredes altas. Um cão ladra, longe.”
            

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