“É pena que não haja em Português uma palavra que
equivalha, com a leveza que a caracteriza, à francesa “flaneur”: o que passeia,
sem rumo, vadio. É pena, mas se estamos constrangidos de empregá-la por demasiado requintada para nossos
propósitos – acaso pedante – nada nos impede de nos apropriarmos de seu
espírito. É ele que nos impele ao passeio, levados por pés de sossego, pernas
de lentos passos, olhos acesos, atentos. Com tal espírito, dispensamos a finura
francesa e acatamos nossa modesta simplicidade vernácula, que nada deixa a
desejar em apuro de significado: doravante, chamaremos ao ignoto e misterioso
personagem o “Passeante”.
Assim tem início O Passeio – um giro pelas esculturas de
Lorena, de Paulo Sergio Viana, editado pelo Instituto Santa Teresa (2014). Aos
menos avisados, Lorena localiza-se no Vale do Paraíba, a meio caminho entre Rio
de Janeiro e São Paulo.
A pequena amostra que aqui
transcrevo demonstra bem que se trata de prosa poética da melhor qualidade.
Cada crônica – são quatorze ao todo – é acompanhada de uma fotografia alusiva à
escultura em questão, apreciada pelo “Passeante” com extrema sensibilidade.
Ao lê-lo, lembrei-me da epígrafe do
Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago:
“Se podes olhar, vê. Se
podes ver, repara.” (Livro dos conselhos)
Paulo repara: num
livro que lê, na música que ouve, num quadro, numa escultura, e, mais que tudo
– característica raríssima –, repara no outro. Por isso exerce a Medicina com a
mesma sensibilidade, daquele que olha, vê e repara. (Não sei se é necessário
alertar o leitor, mas quando se trata da Medicina, “reparar” pode ter o sentido
de curar...)
Findo o passeio e o livro, o Passeante
volta para casa:
“Recosta-se numa poltrona, ouve o silêncio discreto
das paredes altas. Um cão ladra, longe.”
Meu modesto livrinho no "louco"?
ResponderExcluirÉ uma honra!