domingo, 2 de novembro de 2014

O Oitavo selo ou o desafio da morte



           Interessantíssimo o novo livro de Heloisa Seixas, O oitavo selo – quase romance (Cosacnaify, 2014), desde o título, inspirado no filme de Ingmar Bergman, O sétimo selo, até o subtítulo, no Quase memória, de Carlos Heitor Cony. (Lembro-me bem do primeiro livro de contos de Heloisa Seixas, o extraordinário O pente de Vênus, de 1996). Agora, realidade e ficção entremeiam-se por todo o livro: a realidade é sempre dura, um contínuo facear a morte, que a ficção procura amenizar.
            A certa altura do “romance”, a autora confessa o que muitos de nós já sabemos e experimentamos, sobre o ato de escrever:

“Escrever. Escrever para não perder a sanidade, para não morrer. Afinal, não fora assim que acontecera com ela própria, desde o princípio? A mulher sabia.  Quantas vezes já não confessara – um pouco constrangida, é verdade – que tinha começado a escrever por um ato de covardia, não de coragem? Pelo medo puro e simples de morrer se não o fizesse?”

            Vez por outra a narradora dá voz ao marido, o também escritor Ruy Castro; outras vezes, é a própria autora quem fala, Heloisa, e ambos dão testemunho de uma incrível sucessão de infortúnios, desde o alcoolismo até o surgimento de doenças gravíssimas, a morte sempre rondando a narrativa.
            Uma passagem extraordinária do livro dá-se quando o protagonista, por causa de “umas dores nas costas”, procura o médico, que solicita uma radiografia de tórax. Para surpresa de todos, ao revelar a chapa, aparece uma faca atravessada no pescoço do homem. Repetida a radiografia, a faca já não estava lá. O médico exclama: “Sabe que, por um momento, cheguei a pensar que a faca estivesse realmente cravada no pescoço do senhor? É incrível! Nunca vi nada igual.”
            Ficção? Realidade? Elas são o mesmo do mesmo.
            Para certas pessoas, O oitavo selo será um livro difícil de se ler. Mesmo assim, valerá a pena.
            A impressão que em mim causou pode ser assim resumida:


eu despedaçado

a sensação
do coração arrebentado
de repente
não resta outra coisa a fazer
senão escrever
antídoto para a loucura
para continuar vivo
aplacar a angústia
poder pensar
manter íntegro
o eu despedaçado
conheço bem a sensação
do coração arrebentado

2 comentários:

  1. Ótimo! Que sirva a literatura de suporte à vida. Eu digo sempre: "literatura de autoajuda" é um feio pleonasmo: toda boa literatura é autoajuda. Só não pode ser má literatura...

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