terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Confissões


1. Escrevo escrevo escrevo com a forte impressão de que escrevo para ninguém, o que me é desconfortável. Estarei apenas delirando?

2. Ana Cristina Cesar descobriu:

“Agora percebo por que a grande obsessão com a carta, que é na verdade obsessão com o interlocutor preciso e o horror do “leitor ninguém” de que fala Cabral. A grande questão é escrever para quem? Ora, a carta resolve este problema. Cada texto se torna uma Correspondência Completa, de onde se estende o desejo das correspondências completas entre nós, entre linhas, clé total. A outra variação é o diário, que se faz à falta de interlocutor íntimo, ou à busca desse interlocutor...” (1)

3. Talvez por isso, escritores como Mário de Andrade tenham passado a vida inteira escrevendo cartas endereçadas a deus-e-o-mundo. Pura carência afetiva, dirão alguns.

4. Há uma terceira variação, além da carta e do diário citados por Ana Cristina Cesar, que ocorre quando aquele que escreve dedica o texto a alguém. Então ele tem a sensação/ilusão de que há um leitor-alguém. Para isso servem as dedicatórias.

5. Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade foram pródigos em dedicatórias. Poetas solitários? A dedicatória mais ilustre da língua portuguesa foi a que Luís Vaz de Camões escreveu ao Rei de Portugal D. Sebastião, nos Lusíadas, com segundas intenções.

6. Fernando Pessoa escrevia para si próprio e trancava seus escritos num baú, até hoje incompletamente desvelado. Angústia maior ainda do que a daquele que não sabe para quem escreve. Esquizofrênica angústia. (Viva a esquizofrenia!)

7. Manoel de Barros escreve para pequenos insetos e animais, ervas, matos, passarinhos, terrenos baldios, água, árvores, pedras. Depois de muito escrever, virou moda, ficou famoso. Antes, escritor-ninguém.

8. Edir Macedo escreve para os evangélicos e ganha muito dinheiro. Ele sabe para quem escreve. Paulo Coelho sabe que as pessoas acreditam em tudo, especialmente os chamados místicos. E também ganha muito dinheiro escrevendo para elas.

9. Se você deseja escrever, melhor não pensar muito nessas coisas. Escreva, e pronto. E não guarde num baú, publique no blog. Mesmo que ninguém leia.


(1) A. C. Cesar, Poética (Visita à oficina), Companhia das Letras, 2013.

4 comentários:

  1. Haverá sempre a perspectivo de um outro a nos ler. A vida, cujo sentido já é por si tão fugidio, menos sentido terá, se não houver um outro. Por isso os blogs deixam espaço para comentários...

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  2. É muito bom ter um leitor assíduo e fiel como você, Paulo!

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  3. Quem escreve para muitos, manufatura;
    Quem escreve para si, alivia-se;
    Quem escreve para alguém, informa;
    Quem escreve para ninguém, merece ser lido.

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