Acaba de sair do forno O
prazer do poema – uma antologia pessoal, organização e tradução de Ferreira
Gullar (Edições de Janeiro, 2014).
Há mais de
30 anos o poeta vem selecionando poemas e poetas de sua predileção. Aqueles que
escrevem em língua estrangeira foram traduzidos por Gullar; os que escrevem em
português, naturalmente tiveram seus textos transcritos no original.
Os poemas
são distribuídos por ordem temática, o que nem sempre fica claro para o leitor,
e penso que até mesmo para o organizador da antologia.
A edição é
belíssima, capa dura de autoria de Mayumi Okuyama, estampando nomes, muitos
nomes, dos poetas, do organizador e tradutor, do belo título – O prazer do
poema.
Selecionei
da antologia intrigante poema de Fernando Pessoa, à guisa de ilustração. O
título – Eros e Psique – sugere a clássica história da mitologia grega. Ao
final do poema, o leitor pode ser surpreendido com certa interpretação de cunho
psicanalítico, baseada no mito de Narciso.
De resto,
cada leitor tem sua antologia pessoal, com as próprias interpretações. Aí
reside a força da Poesia.
Eros
e Psique
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela demora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera.
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Fernando
Pessoa