Confesso,
desde já, minha surpresa ao me deparar com o recém lançado Livro de haicais, de Jack Kerouac (L&PM editores, 2013,
tradução de Claudio Willer). Quem diria que o autor de On the Road, capaz de inovar a escrita de forma radical, de modo a
influenciar toda uma geração, a Geração Beat,
pudesse dedicar-se à composição do haicai. (Utilizo-me da palavra composição de
modo intencional: penso que, em analogia à música, o Haicai precisa ser
composto.)
Kerouac (1922-1969) deu-lhes o nome
de American haikus, (estranho plural,
pois haiku parece ter apenas a forma
singular), trazendo para o Ocidente a milenar poesia japonesa com uma visão
bastante pessoal:
“Eu proponho que o haicai ocidental
simplesmente diga muita coisa em três linhas breves em qualquer língua
ocidental. Acima de tudo, um haicai deve ser muito simples, livre de truques
poéticos, capaz de evocar algo e ainda assim ser tão delicado e gracioso como
uma Pastorella de Vivaldi.”
(Na
introdução ao livro, de Regina Weinreich, A poética do haicai de Jack Kerouac.)
E ele cita como exemplo de perfeição uma composição do mestre Bashô
(1644-1694):
Um dia de quieta satisfação –
O Monte Fuji está velado
na chuva nevoenta.
O autor registrou seus haicais em pequenos cadernos de notas, de 1956 a
1966, e publicou-os com o título Book of
Haikus. A certa altura, afirmou que “O haicai é melhor quando trabalhado e
revisado”, logo ele, acusado de uma certa displicência na escrita, exatamente
por falta de revisão. Uma indicação de quão a sério ele levava os seus haicais.
O livro em questão é bilíngue, de modo
a permitir o cotejo entre o original e a sempre difícil tarefa de traduzir
qualquer coisa, especialmente haicais. Vejamos alguns exemplos.
The little
sparrow O
pequeno pardal
on my eave drainpipe na beira da
calha
Is looking
around Olha
ao redor
In the
morning frost Na
geada do amanhecer
the cats os gatos
Stepped
slowly Pisam
devagar
Frozen Congelada
in the birdbath no
tanquinho dos pássaros
A leaf Uma
folha
Kerouac comparou o haicai a uma boa
pintura, e anotou em seu caderno: “A
sensação que tenho olhando para uma grande pintura de van Gogh está lá &
você não pode dizer ou fazer nada a respeito, exceto olhar, consternado diante
do poder de olhar”. Talvez este seu haicai possa bem expressar a ideia:
Inútil!
Inútil!
–
chuva forte a escorrer
Para
o mar
Para os que apreciamos o haicai,
Jack Kerouac talvez não represente o que há de melhor nessa forma de fazer
poesia. Há grandes haicaistas entre nós, alguns a dar forma personalíssima ao
haicai, abrasileirando-os, como fez Guilherme de Almeida. A antologia
organizada por Rodolfo Witzig Guttilla (Companhia das letras, 2009) nos oferece
uma boa mostra.
De qualquer modo, em minha opinião, vale
a pena conferir o haicai de Jack Kerouac.
Sempre foi assim e não seria diferente agora no blog o incentivo a uma leitura, pois da maneira como escreve desperta a nossa vontade de ler, comparar, aprender e conhecer. Abraço
ResponderExcluirObrigado, Sergio, pelo comentário! A bondade do amigo é que não poderia ser diferente...
ExcluirHaicai é meio mágico. Uma das formas de arta em que o apreciador tem maior parcela de contribuição. Em outras palavras, quem lê dá o sentido. Assim, vale a ótima dica de leitura - vai que eu ache o Kerouac um mestre!
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