À moda dos
super-heróis, a identidade dele permanece desconhecida. Sabemos que ele existe,
não há dúvida quanto a isso, pelos efeitos produzidos por suas ações, expostas
publicamente todas as manhãs pelas ruas da cidade. A causa permanece um
mistério.
Trata-se do Justiceiro das faixas!
Tudo são suposições. Os indicadores são
difíceis de serem comprovados. O que há são indícios, fortes indícios.
Ao andarmos de carro pela cidade (onde só se pode “andar” de carro),
encontramos uma quantidade enorme de pequenas faixas de pano, sustentadas por
duas hastes de madeira, quase sempre de tecido barato, tingido de amarelo, com
inscrições em letras pretas, azuis ou vermelhas, anunciando alguma coisa: casas
para vender, apartamentos a preços convidativos, garagens para alugar, ou
vender, aceitam-se trocas, garage-sales,
queima total de estoques, Fiat 73 completo em ótimo estado, serviços de
bombeiro, trocam-se telhados, manicures, pedicures e calistas, materiais de
construção, aulas particulares de inglês, fotocopiadoras, e o mais triste dos
anúncios, procura-se cão da raça Shih-tzu, branco, amarelo e marrom, que atende
pelo nome de Picasso (gratifica-se bem), fone tal.
Quando andamos de manhã pela cidade, o que vemos é uma quantidade
enorme destas faixas agora mutiladas! De início, apareceram arrancadas do chão
e jogadas em local próximo. Depois, encontravam-se apenas cortadas ao meio, as
estacas ainda de pé, duas bandeirinhas ilegíveis. Até que o padrão
estabeleceu-se: as faixas são mantidas em suas posições originais, são
recortadas cuidadosamente, restando um buraco no meio – foi-se o anúncio –,
como quem diz, Eu estive aqui!
As tais faixas, dispostas em lugares públicos, geralmente logradouros,
não são permitidas pelo governo, mas não há fiscalização. Eis que surge nosso
herói, a fazer justiça com as próprias mãos. O clichê, perdoe o leitor, vem a
calhar; é com as mãos que ele realiza sua operação, mas, não se discute, ele há
de usar um instrumento cortante!
Jack, o Estripador, removia as vísceras de suas vítimas, geralmente
prostitutas, com tamanha perícia – as incisões eram precisas e metódicas – que
se pensou executadas por exímio cirurgião! Seria este o caso de nosso herói, o
Justiceiro das faixas? E de que instrumento ele se utiliza? Bisturi, tesoura
afiadíssima, navalha, faca amolada? Mistério!
Sabemos que ele ataca à noite, não sabemos a que horas sai de casa,
muito menos onde mora. Há uma suspeita de que se utilize de uma moto, o que lhe
daria maior mobilidade, acesso fácil aos canteiros e gramados, onde as faixas
estão fincadas. São apenas suspeitas.
Bem, resta-nos perguntar sobre as motivações de nosso herói. Ele apenas
faz justiça, estabelece o cumprimento da lei – daí o cognome de Justiceiro?
Trata-se de um amante incondicional da cidade onde vive, e a deseja limpa,
despoluída, com seus jardins e gramados intocados? Um verdadeiro Herói?!
Se há motivações de ordem moral em seu comportamento, então ele poderá
estar mais próximo de Jack the riper
do que poderíamos supor... Ou dos cirurgiões, pois há quem afirme que estes não
passam de assassinos sanguinários, açougueiros travestidos de benfeitores que
conseguiram sublimar seus instintos mais primitivos.
Ou se trata de um aposentado a procura do que fazer?
Sofrerá de crônica insônia?
Um “louco de água e estandarte”, diria Manoel de Barros.
Um notívago bem humorado?
Mistério, mistério, um grande mistério!
Há quem diga que se trata de uma mulher! Uma heroína, portanto! A favor
desta hipótese, o possível manejo habilíssimo de uma tesoura. (Houve caso de
mulher ciumenta que, com precisa tesourada, seccionou a artéria femoral
esquerda do amante, levando-o à morte em poucos minutos, num memorável banho de
sangue.)
Não estou certo de que este recente acontecimento nos levará a alguma
pista sobre o tal Justiceiro, mas o fato é que outro dia, aqui perto de casa,
encontrei intacta intrigante faixa que estampava:
PROIBIDA A COLOCAÇÃO DE FAIXAS.
O anonimato dos recados. Uma espécie do "spam" que acontece na internet.Como há gente querendo dizer coisas à gente.
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