terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Carta de Natal às filhas


Queridas filhas,

não haverá de me causar surpresa se ocorrer algum estranhamento, produzido por uma carta de Natal dirigida a vocês, que bem conhecem minha descrença na religião, ou nas religiões melhor dizendo, incluindo o tal “espírito do Natal”. (Feliz Rainer Maria Rilke, homem religioso e grande poeta que, durante 25 anos consecutivos, de 1900 a 1925, enviou uma carta de Natal à sua mãe.) Portanto, não me peçam explicações ou justificativas, muito menos coerência; nem da arte de Rilke posso dispor. Apenas, aproveito o momento para senti-las mais próximas, enquanto escrevo a vocês, neste fim do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2013.
Os dias em que nasceram as minhas filhas estão entre os que considero os mais felizes de minha vida. A nossa convivência ao longo desses anos foi o que de melhor obtive nesta vida. Meu pai, por razões religiosas, dizia que este é um mundo de expiação e provas. Concordo com ele quanto ao efeito, mas por causas bem diversas, penso que se trata de um mundo onde predominam as frustrações, e não busco qualquer sentido que possa explicar tal afirmação. A não ser a falta de sentido mesma.
            Pois a presença de vocês empresta sentido à minha vida.
            Como em todas as relações humanas, ou entre humanos para ser bem preciso, há momentos de dificuldade também entre pais e filhos. Não poderia ser diferente, mesmo considerando o especialíssimo fato de que se trata de filhos e seus pais, todos humanos, consequentemente imperfeitos na origem.
            Borges afirma: “Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo”. Se tal descoberta é tão antiga, por que ainda é tão raro que seja praticada, tão difícil de se realizar? Por que os homens têm tanta dificuldade para aprender a conversar? Isso também se aplica a pais e filhos, e me incluo de corpo e alma em ambas as categorias, filho e pai.
            Há razões particulares para que pais e filhos, em determinadas circunstâncias, tenham dificuldade para estabelecer o diálogo. Isso pode parecer paradoxal: o amor não seria então suficiente para garantir o permanente diálogo entre eles? Não é suficiente. Onde há muito amor também há ódio, isso é humano e inevitável, mesmo em se tratando de gente do mesmo sangue.
            Admitir sentimentos menos virtuosos em nós mesmos, até com relação aos que mais amamos, pode nos facilitar o retorno ao diálogo, com a vantagem de nos propiciar algum aprendizado a partir desta experiência. Sem moralismos. Triste é quando nada aprendemos.
            A palavra perdão está gasta, pelo que costumo chamar de “sentimento religioso”. Prefiro a expressão “retorno ao diálogo”. Nisso o amor pode ajudar! O amor é um sentimento facilitador para a aproximação das pessoas. O ódio afasta, o amor aproxima. A oscilação entre estes dois sentimentos básicos do ser humano não deve ser vista como um problema, mas como oportunidade para aprender, enquanto estivermos vivos.
            Meu desejo é que tal oscilação incline-se cada vez mais para os sentimentos amorosos entre nós, o que há de preservar a concórdia, a paz e a tranquilidade para nossas vidas.
            Do pai que as ama muitíssimo, com renovado carinho,
andré.

3 comentários:

  1. Atribui-se a Immanuel Kant a seguinte frase:

    "Quanto mais amor temos, tanto mais fácil fazemos a nossa passagem pelo mundo."

    Você é um homem que ama, André! Isso me emociona muito.

    Feliz Natal!

    Grande abraço!


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  2. Obrigada pela mensagem carinhosa paizinho, gostei muito! Estaremos juntos em breve! Beijo

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