Dona Ondina
gostava de dizer – eu nunca soube se ela própria era a autora da teoria ou se a
ouviu em algum lugar: Música clássica a gente primeiro começa gostando das
sinfonias, aquela festa, orquestras enormes, cordas, metais, madeiras,
percussão, aquilo tudo emociona a gente, bate aqui dentro do peito e ressoa,
impressiona; depois a gente passa a gostar dos concertos para orquestra e
instrumento solista, piano, violino, violoncelo, oboé, fagote, clarineta, mais
raramente um contrabaixo, ou uma viola; ainda ouvimos o som da orquestra, que
de repente dá vez a um único instrumento, que brilha sozinho e nos comove; por
fim, o que nos impressiona mesmo é a música de câmera, os duos, trios, especialmente
os quartetos de cordas, que reproduzem com dois violinos, uma viola e um cello todos os matizes da orquestra; há
também os quintetos, os que incluem o piano são belíssimos, os sextetos, e por
aí afora.
Hoje, concordo com ela, ouvinte
amadora de música erudita, mulher observadora, sagaz e de bom gosto. Porque
conservadora ao extremo, suas escolhas terminavam em Brahms; começavam com Bach
e Mozart; chegavam ao ápice com Ele, Beethoven; terminavam em Johannes Brahms.
Nada de Béla Bartók, Stravinsky, nem mesmo os magistrais quartetos para cordas
do nosso Villa-Lobos escapavam. Muito barulho, muito barulho, atordoa a gente,
dizia ela.
É possível que o conselho de Dona Ondina
tenha alguma serventia para os iniciantes. Embora nunca tenha tido qualquer
aprendizado formal em música, considero-me assíduo ouvinte de música erudita
nos últimos 40 anos. Pois não é que recentemente me surpreendi ao voltar a
ouvir os quartetos para cordas de Mozart! São mágicos! O quarteto em dó maior no
19, K 465, apelidado Dissonante, concluído em janeiro de 1785, continua sendo
meu preferido, particularmente pelo seu início, onde as dissonâncias são mais
evidentes. O adágio que serve de introdução a este primeiro movimento está
séculos à frente de seu tempo; quem nunca o escutou jamais o identifica como
sendo Mozart; quem já o ouviu, nunca esquece. Penso que nem mesmo o compositor
aguentou tamanha inovação, e logo volta ao seu estilo clássico inconfundível,
ainda no Allegro do primeiro
movimento. (Se o leitor dispuser de tempo, ele pode ter agora mesmo uma pequena
amostra com o Gewandhaus Quartet: http://www.youtube.com/watch?v=6Zcy-zs9jmw&list=RD7n8BZT_1H8M
, com mais de 56.000 acessos pela Internet.)
O ouvinte que se interessar pelo
quarteto de cordas terá um mundo inesgotável pela frente, incontáveis os
compositores que experimentaram este formato musical. Quando ele chegar aos
últimos quartetos de Beethoven (Dona Ondina, minha mãe, não chegou a apreciá-los, embora
fossem Dele), passando por Bartók e Villa-Lobos, poderá voltar a Haydn e Mozart,
e começar tudo de novo. Tarefa para uma vida inteira!
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