segunda-feira, 25 de março de 2013

Queixar-se


Em Luto e melancolia (1917), Freud sintetiza de forma magistral, numa única frase, a autorrecriminação perseverante dos melancólicos: “Queixar-se é dar queixa”. Na realidade, os melancólicos estão a reclamar do outro.
            A partir desta assertiva, passamos a examinar um tipo de fala muito frequente – o queixume –, tanto no consultório do terapeuta quanto nas conversas cotidianas de pessoas comuns, portanto não apenas entre melancólicos ou deprimidos. Queixa-se de tudo e por tudo. Se o dia é de sol, queixa-se do calor; se faz frio e chove, o dia está triste. Se o dia foi movimentado, queixa-se do cansaço; se foi quieto, de tédio. Queixa-se tanto do trabalho quanto das férias. A segunda-feira é quase uma unanimidade! Se o outro cumprimenta, é invasivo e chato; se não, mal educado. O rol dos queixumes é interminável.
            A primeira impressão para quem ouve o queixume é de que aquele que se queixa espera que alguém resolva o problema dele. Senão alguém aqui na Terra, ao menos o Pai que está no céu. Uma atitude bastante infantil, o que não se constitui numa crítica; trata-se apenas de uma manifestação da criança que todos carregamos vida afora. A criança repete aquilo que já aprendeu.
            A queixa em si quase sempre é desprovida de observação, e, em consequência, não contém pensamentos claros e precisos. Muitas vezes não contém pensamento algum, trata-se apenas de algo tóxico que se tenta expelir. Como num vômito, após a ingestão de comida estragada. Pode até aliviar, momentaneamente.
Se for possível a observação mais atenta do fato que provoca frustração e das possíveis repercussões no mundo interno de quem observa, então poderá surgir a criatividade necessária para a elaboração. O que exige esforço em direção ao crescimento psíquico; quando isso ocorre, dizemos que houve expansão psíquica: aquilo que ontem não cabia em mim, hoje cabe. Então não haverá pura e simplesmente a repetição infantil. Caso contrário, resta o queixume, manifestação completamente desprovida de criatividade.
Espera-se de um terapeuta, por dever de ofício, tendo em vista a sua formação, que seja paciente, tolerante, enfim, continente diante do queixume, o que nem sempre acontece. Nas relações cotidianas, o queixoso crônico torna-se uma pessoa desagradável, e como, em geral, não recebe qualquer crítica a este respeito, seu comportamento o afasta do convívio social. “Lá vem aquele chato”, é o que se diz, ou apenas se pensa, sem dizê-lo.
Sem o menor desejo de contrariar Freud, antes apoiando-me em sua oração antológica apresentada no início desta pequena crônica, posso pensar também que os queixosos crônicos queixam-se de si mesmos, ao externar profundo sentimento de frustração por algo de seu mundo interno, do qual não têm consciência.

Um comentário:

  1. Uau! Que reflexão tiro e queda para mim! No bom sentido, bem entendido...
    Obrigada, Dr. André! :)

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