sexta-feira, 22 de março de 2013

Para onde olha o estrábico?


Está em voga a defesa das minorias.
Nem preciso enumerar de quais minorias estou falando; são tantas e tão diversificadas que, de repente, podem até tornar-se maioria!
Mas há um certo tipo de minoria que até agora permanece vulnerável, não há quem se disponha a defendê-la, nunca se soube de guardião disposto a protegê-la da sanha do populacho politicamente incorreto. Estou a falar dos estrábicos! E esta a classe que pretendo defender.  
            Tudo começou com a notícia publicada em jornal de grande circulação,  fazendo referência aos tais deficientes visuais, se é que assim podem ser classificados, pois geralmente não há deficiência alguma na visão propriamente dita. A deficiência é apenas, e literalmente, na aparência.
            Tratava-se de reunião entre três caciques da política nacional (às vezes um clichê parece insubstituível), realizada de modo mais ou menos secreto, pois o tema era grave: possíveis candidaturas à presidência da república. Não é brincadeira lidar com o ego de caciques, ainda por cima presidenciáveis... O artigo era longo, e lá pelo meio surge o parágrafo aparentemente ingênuo, despretensioso, sem maldade, porém, no fundo, bastante provocador:
“Um detalhe irrelevante no conteúdo, mas significativo do ponto de vista dessa relação algo estrábica (cada um olha em direção diferente): o senador diz que conversaram durante três horas e o ex-governador afirma que a reunião durou pouco mais de uma hora.”
            Alguém faltava com a verdade e o repórter não perdoou. Como as divergências eram bem maiores que uma simples questão de alguns minutos a mais ou a menos, o articulista saiu-se com a pérola – “relação algo estrábica” –, que me parece francamente pejorativa. Bem verdade que cada político tinha o olhar voltado para direções diversas, segundo seus próprios interesses, mas fazia isso com os dois olhos, e mais olhos tivesse, endereçava-os todos na mesma direção. Isso pode ser ganância, não estrabismo...
O estrábico usa apenas o olho que fixa o objeto do olhar. No estrabismo alternante, isso pode ocorrer com ambos os olhos, mas cada um “olhando” de cada vez. Se a imagem de ambos os olhos chegarem simultaneamente ao cérebro – que é quem vê! –, aí sim, o sujeito vê duas imagens, enxerga dobrado, o que vem a se chamar diplopia. Mas não é isso que ocorre na prática; o estrábico olha na direção correta, e esta é a relação dele para com o mundo real.
Portanto, não me venham com essa de que o estrábico olha em direções diferentes, como certos políticos interesseiros. Assim fosse, não seria possível que ele pudesse tornar-se um bom cirurgião. 

6 comentários:

  1. Ótimo comentário, Doutor! O jornalista precisa consultar um livro chamado dicionário. Lá, ele verá que estrábico não diz respeito a fixações em pontos diferentes.

    ResponderExcluir
  2. Vai daí que o estrabismo, mal colocado, coloca o jornalista na posição de míope - não fora isto um achaque à minoria representada pelos míopes... Como é difícil xingar alguém sem agredir alguma minoria!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É verdade, Paulo, se você falar dos míopes, vou ter que responder... Gostei da sua associação oftálmica!

      Excluir
  3. André, além de requintado poeta, contista, cronista... É sempre um prazer ler o que você escreve! Levo sempre alguma coisa na alma.

    ResponderExcluir
  4. Escrita deliciosa. Adorei a expressão "populacho politicamente incorreto".

    ResponderExcluir