segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Luto ou melancolia


      Não sei o que é perder um filho, pois nunca perdi. Tenho ouvido falar, presenciado o sofrimento, a dor, a infinita tristeza, tenho constatado a revolta, o inconformismo, o ódio, tenho conversado sobre o assunto, mas não sei o que significa perder um filho, pois nunca perdi. O que sei é fruto de alguma observação (limitada), além do conhecimento teórico (mais limitado ainda) a partir do magnífico trabalho de Sigmund Freud, Luto e melancolia (ótima a tradução de Marilene Carone, Cosacnaify, 2011).
            
      Se a perda é recente, lidamos com o luto. Às vezes a perda ocorreu há mais de uma década e é bem provável que estejamos diante da melancolia. Nesta condição, aquele que sofre parece não fazer distinção entre a perda e a dor da perda, e sente que ambas são permanentes, definitivas, inexoráveis.
            
      A perda sim, é permanente, definitiva, inexorável; a dor não, pode ser elaborada, modificada, atenuada, sublimada. No luto, a possibilidade de elaborar a dor aos poucos vai sendo considerada, e o passar do tempo pode ajudar. Na melancolia, quanto mais passa o tempo mais difícil torna-se tal elaboração. A dor funde-se ao sentimento de perda, e aquele que sofre não deseja mais abandonar a ambos, com a fantasia de que se deixar de sentir a dor, há de esquecer-se da perda, e consequentemente do ente perdido.
            
      Certa feita ouvi de uma mãe que havia perdido um filho há muitos anos, em pranto convulso, talvez já de posse deste entendimento aqui apresentado, ou pelo menos diante da possibilidade de tal entendimento, a sugestiva frase:
            “– Deixa eu ficar mais um pouco com meu filho!”
E cruzou os braços sobre o peito, como quem abraçava fortemente o filho morto.

      De fato, não há por quê esquecer-se do filho que morreu; ao contrário, sua memória precisa ser cultivada como algo muito precioso, fruto da experiência única que é a convivência entre pais e filhos. Porém, ao fundir a perda com a dor da perda, o melancólico preserva muito mais a lembrança do filho morto, do que a memória do filho vivo que guarda dentro de si. A certeza de que esta memória não será perdida, que pode ser cultivada com alegria, pode constituir-se no primeiro passo para a elaboração daquela dor. 

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