segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Devoção, um delírio


Confesso: aquele manequim vestindo a roupa nova da santa causou-me o impacto de uma visão sobrenatural. Levei um bom tempo até poder desviar o olhar da fotografia e ler a reportagem, recentemente publicada no jornal O globo, e ainda disponível no site do autor, Ancelmo Gois, onde a imagem pode ser vista (http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2012/08/04/a-foto-de-hoje-virgem-de-roupa-nova-458699.asp).  A matéria traz o título A Virgem de roupa nova, e anuncia a troca do manto de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, por senhoras devotas, ritual que perdura por incríveis 200 anos, num país não tão afeito assim às tradições.
            Até aí, nada demais, apenas um antigo costume religioso. O que espanta é a sofisticação na confecção do novo traje, encomendado a renomado estilista da alta costura. A veste é de rico tecido cinza-azulado, talvez de pura seda, tem os punhos de fina renda, e recebeu nada menos que 600 cristais Swarovski, conhecidos por sua delicadeza e brilho. O manto é confeccionado em cetim azul, bordado com pérolas e cadarços, ornado de plumas azuis, “para dar uma ideia de nuvem”, destaca a reportagem. É belíssima! E caríssima, certamente.
            A visão majestosa suscitou em mim um certo tipo de delírio metafísico.  Estaria a Virgem, naquele exato momento, a descer dos céus, aquilo que chamamos de uma aparição? Ou, ao contrário, tão magnífica, estaria pronta para subir ao céu, onde seria recebida por toda a corte de anjos e santos, sem falar da indispensável presença do Pai? De onde vem, ou para onde vai, Nossa Senhora da Glória do Outeiro, assim tão regiamente vestida?
            Findo o meu delírio, me dei conta de que a imagem há de permanecer mesmo em um outeiro. A propósito, palavra outeiro vem do latim altarius, de altus, e significa elevação.  A palavra altar tem a mesma origem, pois quem está no alto, está mais próximo do céu. Outeiro, porém, não passa de humilde elevação; é menos que um morro. A igrejinha situada no Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro, pintada de branco, é linda por sua simplicidade, muito longe da ostentação de uma catedral. Portanto, no pequeno altar de um outeiro reside a imagem de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.
            Fico imaginando se as senhoras devotas também não estarão delirando.

3 comentários:

  1. Boa crônica André. Neste ponto um voto a favor dos franciscanos que seguem a vida monastérica com roupas das mais humildes possíveis : a bata (ou sei lá o nome que ela leva) sem nenhum adorno. Adorno já é obra do homem distorcendo o que as religiões pregam .

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    1. Bom saber que tenho ao menos um assíduo leitor! Grande abraço, Sergio.

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  2. Ótimo texto! Gostei especialmente do contraste entre o fausto da roupa da santa e a humildade do outeiro...

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