Diário da demenciação
Findo o noticiário da tevê, tomamos banho, nos tentamos à mesa para jantar. Abrimos uma garrafa de vinho, cada um conta as novidades do dia, na maior parte das vezes o papo flui animado interessante alegre construtivo educativo mesmo. É o que sempre chamei simplesmente de conversa, coisa inventada pelos gregos há mais de 2.000 anos, sob o nome de diálogo.
Lá pelas tantas, bate o sono, vamos dormir. Hora de fechar a casa. Há um alarme que precisa ser ligado depois que todas as portas e janelas estejam fechadas, menos aquela do quarto de dormir, que desejamos permaneça aberta, e que é desarmada no quadro do alarme. Mas há uma maldita janela do quarto de televisão, que sempre me esqueço de fechar. Desligo o computador, mas não fecho a janela.
– Toda noite é a mesma coisa, vou ligar o alarme e janela do quarto da televisão está aberta, então tenho que ir fechar a janela, não adianta falar, toda noite é a mesma ladainha, estou cansada de falar, de nada adianta.
– Me desculpe. Esqueci.
De que adianta pedir desculpas? Pior ainda, essa palavrinha estúpida “esqueci” faz sentido para mim, mas não faz sentido para minha mulher.
– Como esqueceu, se toda noite repito a falação?!
Há uma outra teoria sobre o fato em questão e que pode explicar o fenômeno. Aquela janela não existe para mim, à hora de fechar a casa. Se não existe, se em seu lugar há uma impenetrável parede maciça, então não há esquecimento... Não se esquece daquilo que não existe. (Se não me falha a memória (!), a isso Freud denominou ‘alucinação negativa’.)
Ontem me preparei para o funesto evento: deixei um escandaloso bilhete ao lado da tevê, uma folha de papel A4, com o recado JANELA! À hora habitual ainda olhei para aquele papel estranho e me perguntei:
– O que isso está fazendo aí?!
Que merda!
Foto: AVianna, 2020.
O inconsciente não dispõe de alarme...
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