terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A ponte

 

Quatro vezes ao dia ela cruza a ponte que separa o bairro onde mora do centro da cidade. O movimento de automóveis é sempre intenso nas seis faixas de rolamento, três em cada sentido, a qualquer hora do dia, da noite e mesmo da madrugada. 

Nas laterais há uma espécie de calçada para pedestres, que atravessam a ponte em suas caminhadas ou corridas diárias, pela manhã e à tarde. Ciclistas, em menor número, fazem o mesmo percurso. Alguns poucos turistas podem ser vistos na área, descendo de enormes ônibus coloridos.

            Além dos que se exercitam, facilmente identificados pelos trajes esportivos, ela observa quando cruza a ponte ao final da tarde ou começo da noite um outro tipo de gente a perambular pelas calçadas, também identificável com facilidade, por duas particularidades. Essas pessoas se cobrem de trajes pobres, às vezes esfarrapados; e carregam trouxas ou empurram carrinhos de supermercado entulhados de bugigangas. Às vezes apenas suas enigmáticas silhuetas se tornam visíveis à motorista, nas calçadas pouco iluminadas.

            A ponte foi construída para o deslocamento de pessoas em automóveis, ônibus e caminhões, para gente que mora na populosa periferia e que trabalha no centro da cidade. Ela não foi construída para pedestres, não há bairros pobres nas proximidades da ponte, a justificar que os mais desvalidos necessitem percorrê-la a pé, se deslocando de um lugar a outro.

            O que fazem na ponte essas pessoas carregando trouxas ou empurrando carrinhos de supermercado ao final da tarde? De onde vêm? Para onde vão com o cair da noite? O que pretendem com este anônimo caminhar?

            Ela sente o desejo de parar o carro e se informar, porém não há local próprio para estacionamento, o que de fato é proibido, para evitar acidentes; o movimento de veículos é intenso, é hora do rush; uma temeridade descer do veículo.

            Restam as perguntas, o estranhamento diário. 

            

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