domingo, 9 de maio de 2021

Duas fotografias desfocadas

 




 

Duas fotografias antigas, desfocadas, como acontece com a memória de alguns de nós, que vai perdendo aos poucos a nitidez, vai evanescendo, até que se apague completamente. Algumas nunca se apagam.

            A primeira delas mostra nosso avô Breno Vianna, vestindo terno de linho branco, lendo jornal na sala de jantar da casa à Rua Costa Braga, 90, em Guaratinguetá. Atrás dele, a luz intensa de uma janela ajuda na leitura. No primeiro plano há uma porta aberta, que dá para uma pequena varanda que chega até o portãozinho de entrada. O avô é magro na fotografia, o que indica que ela é bem antiga. Suponho que Ofir tenha sido o fotógrafo.

            A segunda, mais desfoca ainda, me parece que é o único registro de nossa avó Cici – assim Breno registrava seu apelido – sorrindo! Quem a amou como eu a amei, pode reconhecê-la perfeitamente, a tez clara, os cabelos bem finos, levemente crespos, a testa alta e o queixo forte. Tive com minha avó Cici, eu bem criança, a primeira relação adulta de minha vida; ela me tratava com o mesmo respeito que dedicava às pessoas adultas, e eu sentia aquilo como profunda manifestação de amor.

            Lembro-me bem do dia em o telefone antigo foi trocado por uma aparelho moderno, em que bastava discar o número desejado para que o destinatário atendesse, sem auxílio de uma telefonista. De minha casa, vizinha a de meus avós, disquei e ela atendeu:

            – Alô!

    – Quem fala, por favor?

            – É da residência de Breno Vianna.

            – E quem está falando?

            – Cici, a esposa dele.

            – Dona Cici, aqui é da Companhia Telefônica. Estamos fazendo um teste para checar se o telefone está funcionando.

            – Pois não.

            – A senhora pode soprar forte no telefone, por favor?

            – Fuuuuuuuuuu...

            – Mais uma vez, bem forte.

            – Fúúúúúúúúúúúúúú...

            – Pela última vez, mais forte!

            – FÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚ...

            – Pode parar porque já encheu. Hahahaha!

            Foi então que a avó percebeu que se tratava de um trote, e que o engraçadinho era eu mesmo, seu neto predileto. Atravessei o portão que separava as duas casas, fui até ela e rimos muito. Esta era a Cici, minha segunda mãe.

            Breno, o brilhante intelecto da família. Cici, sua alma.

 



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