A menina Gabriela costumava se balançar à sombra do abacateiro. Mais alto, vô, mais alto, vô! E ela ria da felicidade mais pura porque infantil.
A mãe a levou para longe, veio a pandemia, há dois anos não vejo Gabriela. Dois anos sem ir a Paris não é muito tempo, dois anos sem ver Gabriela é uma eternidade. Há quatro dias do Natal, meu papai-noel será a visita de Gabriela, o melhor presente do mundo. Preciso conter minhas expectativas pois não estou certo de qual Gabriela virá me visitar.
Ela saiu daqui uma menina e volta a mocinha que eu não conheço. Também eu não serei o mesmo, não poderei acompanhá-la nas cambalhotas dentro da piscina. (Nem mesmo estou certo se ela ainda dará cambalhotas na piscina.) Após dois anos a mocinha será outra pessoa; em dois anos eu estou apenas mais velho e mais rabugento. (Não espero que a visita de Gabriela melhore minha dor na coluna.)
Será um acontecimento extraordinário esse nosso reencontro. Para comemorá-lo, há alguns meses penso em dar um presente à moça Gabriela. Não desejo lhe ofertar algo completamente novo, moderno, da moda ou tecnológico, porque isso eu nem saberia fazer. Quero lhe dar um presente que de alguma forma traga à memória da menina o avô que a balançava à sombra do abacateiro. Assim ela poderá reconhecer o avô que dava cambalhotas com ela na piscina, mas isso também já não poderei fazer. De minha feita, haverei de reconhecer a neta com quem brincava de casinha.
Resolvi lhe fazer um balanço novo, ainda à sombra do velho abacateiro. (O antigo balanço, por desuso, deteriorou; as cordas apodreceram com a alternância das chuvas e das secas, a madeira do assento rachou.) Quando uma criança vê um balanço em um parque, ela corre para ele, na mais pura felicidade infantil. O adulto, quando vê um balanço em um parque, se não corre a experimentá-lo, o impulso será mesmo de fazê-lo. Bom sinal! Sinal de que a criança vive nele.
Pensei então que, ao ver o novo balanço ainda à sombra do abacateiro, a mocinha Gabriela poderá correr para ele, rindo rindo rindo, Me balança, vô, mais alto, vô! Minha esperança é de que a criança não tenha se afetado tanto assim pela terrível pandemia. (Tenho perdido o sono durante as últimas madrugadas. Hoje aproveitei o silêncio da noite para escrever este pequeno conto de Natal, em homenagem ao meu pai; nessa época do ano ele pedia aos filhos que todos escrevêssemos um conto de Natal, o que ninguém fazia.)
Se a moça Gabriela preserva a criança dentro dela, haverá de correr para o balanço. Então terei ganho outro presente, maior ainda que a própria visita de Gabriela. Sonhar é a maneira de preservar em mim o menino que fui um dia. Se acontecer, serão duas crianças a brincar no novo balanço, presente de Natal.
Que lindíssimo conto de Nata! Vofir há de ficar orgulhoso. Belíssimo! Vai e vem de memórias e sentimentos.
ResponderExcluirFrase marcante - dois anos sem ir a Paris não é muito tempo, dois anos sem ver Gabriela é uma eternidade.
Mocinha de sorte essa Gabriela. Velho de sorte esse Sr. Ofir.
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